Fragmentos

I- A Ligação
Sábado à tarde, estava um calor insuportável e a cidade bem movimentada. Saí da casa dos meus tios onde fui usar a internet e segui rumo a praça, onde ia encontrar o Che para decidirmos o que iriamos fazer à noite. Na rua Santo Antônio, uma das principais da cidade, na altura da igreja Cristo Redentor, meu celular tocou. "_Oi ! Oi, tudo bem? Tudo e você? Tudo certo! Olha... tô te ligando para dizer que a gente vai, viu? Vocês vão onde? Pra Tambaú! O quê???... Vocês vão vir no flashback? Sim, nós vamos! Vocês vêm de ônibus? Não, de carro! Que horas? Ah... a noite, quando sairmos daqui eu te ligo, ok? Ok! Tchau! Tchau!"...
Essa foi a ligação que transformou meu final-de-semana. Fiquei chocado! Mal acreditava que isso estava acontecendo. Eu disse pro Che que eu estou acostumado a lances que não dão certo, que não vingam. O normal seria eu ir atrás, levar um bolo, ou então, a história acabar ali mesmo, em Santa Rosa na sexta, onde tudo começou.

II- O segundo encontro
Estava na praça com os meninos. Lis mal apareceu nesse final-de-semana. Tocou meu celular. Quem eu esperava tinha acabado de chegar. Antes de receber a ligação, estava aflito, pensando que não vinha, com medo de que aparecesse de surpresa. Avisei o Che, que me desejou boa sorte, e desci. Estava na frente da igreja Santo Antonio. Os cumprimentos foram discretos e minha felicidade era visivel. Sentamos num banco para conversar. O segundo encontro é sempre mais angustiante que o primeiro. No primeiro, você não tem tanto compromisso de falar muito, fazer perguntas, nada disso. O lance é beijar mesmo. Já no segundo é diferente, as vezes até o beijo sair, quando a timidez passa e você estabelece quem vai tomar a iniciativa, leva um tempo. Então, o que você faz? Conversa! E o que dizer? Esse é o problema. Esse papo de ser natural, ser você mesmo, é indicado mas cai por terra quando você pensa em agradar a pessoa, quando você quer que tudo seja perfeito. É a hora que as grandes gafes acontecem. Mas eu não cometi nenhuma, não, só o nervisismo que estava ali, forte, tentando me tirar do eixo. Passada a fase da timidez, no inicio, mesmo que o beijo ainda não tivesse saído, relaxei! Andamos pela cidade. Eu mostrei a praça, o posto,... o nervosismo foi passando e ficamos mais à vontade. De repente, numa rua qualquer da cidade, sem muito movimento, a lua foi testemunha do beijo. Foi um beijo dolorido, forte, daqueles que você não esperava e finalmente acontecia. Nessas horas, você se sente protegido, acalentado, passa por instantes de grande paz. Nos abraçamos. Poderiamos ficar ali a noite inteira, mas saímos logo e voltamos para a praça. Descemos todos para a Lex Luthor. Cesinha e Che foram também. Lá enconteri alguns outros amigos e alguns alunos do grupo de teatro. Fiquei pouco tempo lá dentro. Passei a noite toda namorando, conversando do lado de fora. Foi quando percebi que a nossa relação estava ficando séria, não era somente mais uma ficada. Conversamos sobre nossos antigos relacionamentos, no quanto nos machucamos e o quanto que agora precisamos ser felizes. A noite acabou. Houve despedidas no estacionamento e ficou a promessa de nos vermos em breve, num final de semana desses. Eu voltei a ficar sozinho!

III- A excursão
Minha familia toda viajou numa excursão para Atibaia no domingo. Minha mãe comprou 3 passagens, pra mim, pra ela e para o meu pai que na última hora acabou desistindo. Então, para não deixar minha mãe viajar sozinha, sem ninguém de casa, eu fui. Estava acordado desde as 9 da manhã de sábado, de virada. Pegamos o ônibus às 6 da manhã. Tentei dormir no ônibus na viagem de ida, mas foi quase impossivel. Imagine um ônibus cheio de mulheres da igreja falando, todas sem parar e gargalhando! Sim, elas gargalhavam muito! Minhas primas Aline e Thalita viajaram tambem, mas as duas estavam ora irritadas, ora deprimidas. Então, não tivemos muito papo. Chegamos lá umas 10 da manhã. Em Atibaia fica o Santuário da Mãe Rainha, que recebe romarias todo domingo. É um local de meditação eexiste um convento lá tambem, e são as freiras que cuidam de tudo. Tem lanchonete, uma lojinha, a capela da Mãe Rainha, que é um local extremamente de oração, e um santuário onde ocorre a Santa Missa. Almocei com minha família, tirei umas fotos, fiz minhas orações também, mas minha cabeça estava bem longe dali.

IV- Um desejo atendido
No ônibus de volta para Tambaú, depois de um dia cansativo, sentado ao lado da Aline, minha prima que já sabia de toda a história, disse que seria maravilhoso chegar em casa e receber a notícia de que um certo ônibus, longe dali, não tinha partido. A estrada ia passando pela janela e eu pensava que poderia cruzar até com esse outro ônibus vindo do outro lado, como numa peça do destino. Ouvia musica enquanto lembrava de nós dois e dormi. Um tempo depois meu celular tocou. Era a notícia que eu esperava. O ônibus partiu, mas não levou minha esperança. Teríamos mais uma chance de nos vermos. Cheguei em Tambaú, liguei para o Che e combinamos tudo. Eram quase 10 da noite, quando fomos, Che, Cesinha, Maikinho, Leandro e eu para Santa Rosa, à bordo do John Móvel, que foi devidamente abastecido quando chegamos. Na praça, alguém me esperava. Nos perdemos dos outros e descemos algumas quadras numa rua deserta, aproveitamos aqueles ultimos momentos. A certeza da despedida que viria depois nos deprimia um pouco. Fizemos algumas juras, de nos falarmos, de não esquecermos, de nos encontrarmos de novo. Era meia-noite de segunda- feira e a separação aconteceu. Seguimos nosso caminho de volta a vida real.

V- Muito trabalho
Segunda-feira, a vida de todos volta ao normal. A noite, ensaiamos "Sexo dos Anjos" na SAT. Flata uma semana para a nossa apresentação no Festival de Varginha. Na segunda, foi dificil evitar algumas piadinhas, na cena em que meu personagem conta o que esperava da sua chegada ao céu. Surgiu uma versão nova e "sexy" da cena, mas eu fui quem mais se divertiu. Terça-feira foi dia de "Casa de Brinquedos". Quarta e quinta-feira ensaiamos o musical dos anos 60. A peça avançou um pouco essa semana, mas o trabalho ainda será arduo. Finalmente chegamos nas cenas do Baile de Formatura. E consertamos alguns erros de planejamento de cenário, que tinham ficado para trás. Quarta-feira, foi um dia atípico na biblioteca. De manhã, Lis estava na escola, Fatinha foi fazer um tratamento no dentista, Che e Josi foram em um treinamento do programa de informatização da biblioteca e eu fiquei sozinho. No inicio, a idéia me irritou muito, mas depois relaxei. O movimento foi pequeno e eu aproveitei para adiantar algumas marcações nas cenas da peça. A tarde, Lis apareceu e trabalhamso juntos. Na quinta a tarde estavam só a Josi e eu. Lis está naquela fase crítica da escola. Ela está no terceiro ano do colegial e irá prestar vestibular esse ano. Além de estudar e participar de feiras de profissões, ela tem que entragar os trabalhos finais na escola. Tudo está muito corrido para ela. Che está se preparando para uma cirurgia que terá que fazer em breve. Está fazendo exames fora de Tambaú. Fatinha entrou num curso de teatro de fantoches, que começou essa semana. Na sexta, foi dia de ensaio do teatro de fantoches que estamos preparando para a próxima quarta- feira, Carolzinha, Wagner e Caio estão no elenco. Na próxima semana, se comemora a Semana do Livro.

VI- Alguma certeza
Depoimentos, torpedos, ligações,... Há uma semana não desgrudo do meu celular. Há uma semana, não paro de sentir saudades. Andei uns dias inseguro, mas agora estou mais firme. estamos combinando de nos vermos dia 6. O último final-de- semana modificou drasticamente a minha vida. Tenho algo agora em que acreditar, algo para esperar. Nos falamos como se nos conhecessemos há muito tempo. Já sabemos muitas coisas um do outro e a distancia tem doído bastante. Estamos virando cumplices, parceiros. E algo nasceu entre nós. O acaso está virando certeza. Que a sorte e o destino estejam conosco, do nosso lado!

"Olha pro céu e vê a lua que eu preparei pra você, pra comemorar uma semana da nossa historia. Queria estar com você e estou, aqui dentro. Um grande beijo!"

Lua Nova - Parte I

Che estava planejando arrumar seu carro e, há tempos, falava muito nisso. Seu pai tem um escort que estava parado na garagem há alguns meses. Eu vi o carro pela primeira vez no início desse ano, quando Che trabalhava num outro emprego fora da cidade e usava o carro para chegar até lá. Depois, o carro apresentou alguns problemas, e Che mudou de emprego. Para colocá-lo pra rodar novamente, primeiro ele agilizou toda documentação, depois foi arrumando algumas peças, trocando outras. Calota, faróis, para-choque, vidro, tudo em dia.
Sábado, depois de acordar bem tarde, almocei e me preparei para sair. Ia ligar para o Che, mas nem precisou, ele ligou antes. Combinamos de subirmos juntos. Tínhamos coisas a resolver no centro da cidade. Che apareceu de carro em casa. Fomos rodar pela cidade a procura de um lava-rápido. Rodamos, rodamos. Nenhum tira horário disponível. Che queria uma lavagem completa no carro. O jeito foi deixar o carro no lava-rápido de um posto de gasolina, numa das avenidas. Eram 2 da tarde e o carro só ficaria pronto às 6. Fomos para o centro da cidade a pé. A rua principal estava bloqueada, por causa do evento do dia das crianças que uma loja da cidade promovia. Tinha pula-pula, algodão doce, pipoca e trenzinho. Fizemos uma parada por lá. Encontramos a mãe e a irmã do Che. Comecei a perceber que conhecia o Homem-Aranha de algum lugar. Cheguei mais perto e batata! Era o Neto, aluno do grupo do teatro. Segunda parada foi na Harmony, a lojinha de rock que antes era evangélica e tinha outro dono. Finalmente consegui comprar uma camiseta dos Beatles. Agora tenho uma deles, uma dos Stones, e outra do The Doors. Che comprou uma do Ramones, branca. Saímos de lá e cada um foi para um canto. Che precisava cortar o cabelo e eu precisava ir até a lan house, já que continuo sem computador em casa. Combinamos de nos encontrar depois de 1 hora. Che acabou primeiro o que tinha que fazer, por isso ficou na lan house jogando playstation, enquanto meu tempo na internet não acabava.
Quinta parada foi numa lanchonete, onde vendem salgados e pastéis deliciosos. Comemos, demos um tempo na praça e fomos de volta ao posto de gasolina. Foi uma tarde divertida! Che estava feliz pra caramba, afinal esperou pelo conserto do carro durante alguns meses e finalmente conseguiu. Enquanto esperávamos o carro ficar pronto, Che quis dar um nome pra ele. Surgiram várias sugestões, as mais absurdas. No fim, Che decidiu por "John", e eu completei: "Móvel". Ficou então John Móvel. Naquele dia, seria o aniversário de 70 anos do John Lennon, se ele estivesse vivo, daí o nome do carro. Saímos do posto 6 e meia da tarde com o John Móvel lavadinho, pronto para a saída da noite de sábado.
Foi um final de semana de noites frias, de vento cortante, e de pouca gente na rua. No sábado a noite, tivemos uma grande razão para nos alegrarmos. Cesinha, depois de 2 meses de recuperação em casa por causa do acidente que sofreu, estava de volta. Esperamos muito por isso. Ele não pode beber e ainda está com uma proteção em um dos braços, mas o tempo de enclausuramento acabou. Lis, Maikinho e Éder apareceram também. Um novo stress com o Éder aconteceu, por causa de seus comentários desnecessários. Foi a última noite que ele saiu conosco, até então. Lis saiu logo. Ainda anda "ocupada" nas noites do final de semana. Fico feliz por ela e torço para que dê tudo certo. Estávamos no Bar do Mancha. Os meninos iam na Lex Luthor, no show do Spyzer. Eu não tinha nem comprado a entrada. Tinha decidido que não ia mesmo, que ia dar um tempo. Durante uma conversa nessa mesma semana, descobri o quanto que meus problemas e encanações tem interferido na vida de outras pessoas. Nunca permiti que bloqueassem minhas vontades, o que tenho pra dizer, pra fazer, meus impulsos, minhas chances de fazer boas ações, e as chances de meter minha cara na parede, me espatifar e ficar em pedaços. Então, não devo bloquear ninguém com a minha presença, nem com meus sentimentos, que são equivocados e involuntários, mas nobres. Bom, por volta de meia noite, me despedi de todos e fui pra casa. Che tinha me perguntado umas 5 vezes durante o dia se eu ia na Lex Luthor. Eu estava sim, com muita vontade de ir, mas havia prometido que não ia, e promessa é dívida. A volta pra casa foi estranha, dolorosa até, com uma pergunta no ar, tipo "por que tem que ser assim?". É difícil cortar certos vínculos, mudar os costumes, alterar a rotina. Já fui muitas vezes na Lex Luthor, e sempre estive com eles lá, meus amigos. Cheguei em casa e fui pra cama. Pensar no que havia acontecido não estava sendo bom. Então, dormi. No dia seguinte, soube pelos meninos que a noite foi igual a todas as outras, sem tirar nem pôr. Sobre isso, até hoje não sei o que pensar.
Segunda-feira chegou, depois de um domingo tranquilo de almoço em família e noite de vinho no Mancha. Era véspera de feriado e a cidade estava meio vazia. A biblioteca abriu e fomos todos trabalhar. A tarde, saímos mais cedo, Che e eu. Fomos para a SAT ensaiar "Sexo dos Anjos". Falta pouco para a apresentação no festival. O ensaio foi ótimo. Redescobri o quanto que gosto dessa peça. É delicioso estar em cena com essa história.
Na semana passada, recebi pelo correio um informe do Célia Helena, a escola de teatro onde me formei como ator. Eles estão promovendo uma pós-graduação para direção teatral. Me animei um pouco, e até passou pela minha cabeça de fazer o curso, que acontece só no final de semana. Me animei mais pela possibilidade de voltar a São Paulo, àquela escola onde tenho tanta história vivida. Mas soube pelo Paulo o valor do curso e a duração, que é de 15 meses. Não está dentro das minhas possibilidades, e não posso negar que isso me deprimiu um pouco, pensar na ideia de ficar aqui pra sempre, vendo a vida passar por mim.
Aqui em Tambaú, às vezes dá a impressão de que um dia demora 3 pra passar, enquanto o resto da Terra gira mais veloz. Uma prova disso foi a noite de segunda-feira. Che saiu de John Móvel. Estávamos nós, Maikinho, Cesinha e a Lis, que apareceu uma pouco depois. Passamos na quermesse. Estava abarrotada de gente, não tinha lugar pra sentar e mal se podia transitar. Então, depois de rodarmos bastante, paramos no sossego do "Sossego". Lá é estranho. Você olha para um lado e não vê ninguém. Olha para o outro e nada. Olha pra frente e vê um muro que mal aparece por causa das árvores. Nessas noites geladas, de lua nova e de vento cortante, dá uma solidão. Tem dia que é foda. A vida vira uma reprise de episódio passado. Eu conheço a sinopse dessa história. Sei muito bem quem é quem. Já vi o começo e o final é previsível. E nenhum suspense que se possa inventar convence o público. Este enredo, de amor desencontrado, de amigos que buscam uma vida intensa e uma certa eternidade de tudo isso, é batido. Todo mundo já viu e sabe que não tem como terminar bem. Os amigos se desencontram e o amor dos protagonistas se perde. Mas vamos lá, até o fade out do último episódio, tem gente querendo saber o que vai acontecer, se alguma coisa pode mudar. Nesta noite, vozes, que não eram em off, me relembraram nossos papéis, e mostraram que a história não saiu muito do lugar. E terminou tudo como no primeiro episódio.

Lua Nova - Parte II

Feriado. Dia das Crianças e da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. O saudoso Padre Donizetti era muito devoto da santa, consequentemente, Tambaú também. Eu sou devoto, desde criança. No dia de Nossa Senhora Aparecida, acordei com som dos fogos de artifício dentro do meu quarto. Carreata na porta de casa às 9 da manhã!
Tinha combinado de ir na casa do Che a tarde para gravar uns cd's. Eu liguei pra ele e fui. Fiquei pouco tempo. Acabou que nem gravamos cd nenhum. O dia estava esquisito e meu humor também. Fomos para a praça umas 4 e meia da tarde. Liguei para Lis e ela apareceu. No Bar do Geraldo, tomávamos uma cerveja, onde mais umas 10 pessoas faziam o mesmo. De repente, duas cenas se instalaram. De um lado, na frente da igreja, fiéis se juntavam para a procissão. No auto-falante da igreja, o padre chamava a população e rezava a Ave-Maria. Do outro lado, no Bar do Geraldo, aqueles 10, vestidos basicamente de preto, com all stars sujos e rasgados nos pés, conversando e rindo. No auto-falante do aparelho de som, tocava um rock pesado, que nem dava pra identificar qual banda era. O padre passou duas vezes, de batina e tudo, e nos cumprimentou. Nós, Lis, Che e eu, estávamos no meio dos dois cenários. E começamos a conversar sobre religião, Deus, felicidade. A cerveja bateu e tudo ficou mais caótico. Na minha cabeça, as duas peças encenadas ali na praça, em volta de nós, estavam em slow motion. Na nossa turma, o clima esquentou, e antes que fervesse, cortamos o assunto e fomos embora. Fecham-se as cortinas.
A noite teve ensaio, do "Sexo dos Anjos", anjos que aparentemente estavam em mais uma de suas crises, mas era só impressão. Lislaine nem apareceu. Ficamos Che e eu no posto depois, conversando. Tudo ficou no lugar.
Fui pego de surpresa na quarta-feira. Paulo marcou ensaio da peça "Somos todos do jardim da infância". Estou sem computador em casa e fica complicadíssimo montar as coreografias. Saí da biblioteca mais cedo, decidido de que ia fazer o ensaio ser produtivo. Cheguei em casa, me sentei no sofá com o texto no colo. Na cabeça, a ideia de que "sou capaz e vou conseguir criar". Fiz umas anotações em 4 cenas. Saí animado de casa e mal podia esperar chegar a hora de ver as cenas acontecendo. Na quinta-feira, o ritual foi o mesmo. Cheguei da biblioteca e fui estudar o texto. Foram dois dias de ensaios produtivos. 5 cenas novas montadas, agora faltam 23. Teremos 2 dias de ensaio por semana, e depois de montadas as cenas, virão as coreografias. Os deuses do teatro vão nos ajudar e tudo ficará pronto para a estreia no mês que vem.
Comecei a tomar um remédio essa semana, para controlar a ansiedade e fazer com que eu pare de fumar. Reduzi mais da metade do número de cigarros que estava acostumado a fumar, mas ainda não parei. Estou uma seda desde então, calmíssimo. Isso não impediu que Che e eu tivéssemos outro stress na sexta-feira. Coisa boba, pequena, mas nos irritamos muito. Odeio ser mal interpretado e pagar o preço por isso, sem merecer. Che odeia ser acusado daquilo que não fez e ser comparado a outras pessoas. Antes, de manhã, a biblioteca realizou mais um projeto. Recebeu as crianças de uma creche da cidade, a "Casa da Criança", para apresentar vídeos e livros sobre o meio ambiente, mais especificamente, sobre a biodiversidade. Depois, Fatinha e eu começamos a trabalhar em cima do teatro de fantoches que os alunos da Quintal das Artes apresentarão na Semana do Livro, na biblioteca.
A noite de sexta-feira não prometia nada demais. O remédio me deixou extremamente lento, devagar, e eu cheguei até a sentir a perda de alguns reflexos. Peguei um suco no posto e na hora de entregar o dinheiro. entreguei o suco para o rapaz. Depois, ele perguntou se eu queria que ele abrisse. Eu disse que sim e não entreguei a garrafa pra ele. #tenso. Che estava de John Móvel. Lis apareceu também. Fomos dar uma volta e paramos no Deoclides. O bar estava lotado e não tinha mesa vaga. Lembrei o Che do que ele tinha dito sobre ir para Santa Rosa, uma cidade vizinha, no sábado. Ele disse que topava ir naquela hora. Topamos e lá fomos nós. Ajudei no combustível e pegamos a estrada no John Móvel. Lis ficou, porque precisava resolver uns problemas. Sabíamos que era um pouco arriscado. Fazia tempo que o John Móvel não era testado neste tipo de situação. Na estrada escura, poucos carros cruzavam conosco. Ouvíamos música no meu celular, já que o John Móvel ainda não tem som. Teve Van Halen, Cranberries e Culture Club, a banda do Boy George. Chegamos. Nossa, não ia a Santa Rosa há mais de 10 anos. Assim como o Che, tenho familiares que moram lá, mas já tinha avisado pra ele: nada de contatos familiares naquela noite! Mesmo assim, ele quis passar na frente da casa do seu avô, para mostrar para mim o bosque onde brincava quando era criança, o seu quintal. O avô dele estava na calçada e aí não teve jeito. Conheci o avô, uma tia e uma prima do Che. Estava muito sem graça, mas todos foram muito simpáticos.
Encerrada a visita familiar, continuamos o tour pela cidade a bordo do John Móvel. Chegamos no centro da cidade, na praça da igreja Matriz, onde os pais do Che se casaram. Lá existem muitos bares e lanchonetes em volta. Tinha muita gente, bonita e bem vestida. Descemos do carro e fomos dar uma volta. Rolava um som numa choperia. Andamos um pouco e, quando paramos, avistei alguém num banco da praça, perto de nós, que me chamou a atenção. Era muito interessante e olhei até ser correspondido. E fui. A troca de olhares rolou durante uns 10 minutos, enquanto conversava com Che. O outro lado também era uma dupla. Você fica nessa de olhar até ter certeza do que é que está acontecendo, e quando saca o que é, alguém tem que se mexer. Levantou e saiu. Saí atrás, descemos a rua. Nessa hora, já estávamos sozinhos. Primeiro, rola uma conversa.
Oi! Oi, tudo bem? Tudo bem e você? Tudo bem! Que bom! E aí? E aí, tudo bem?... ah eu já perguntei se estava tudo bem... Quantos anos você tem? 22! E você? 25! Você mora aqui? Não! Eu também não! Sério? Sim.
Éramos duas pessoas de fora, tentando passar um final de semana diferente.
Você namora? Não! E você? Ah, mais ou menos estou enrolado com uma pessoa que também é de fora, mas não está dando certo. Namoro a distância é complicado.
E fala, fala, até que: e agora? Não tem mais nada pra falar. Os olhares se cruzam, dessa vez mais apertados e mais assustados. Há um silêncio, mas rola uma música nos ouvidos uma música particular. Os dois vão chegando perto e o beijo rola, lento, um tiro no escuro. Depois clareia tudo e fica mais quente, e mais seguro. Foram 20 minutos de carinho. O coração aguenta isso tudo? Não tô falando de paixão, mas sim de química, aquela que faz o coração bater mais rápido, o sangue passar apressado pelas veias. Tem aquela vermelhidão no rosto. Você pensa que o mundo é seu, e esquece de tudo. Trocamos telefones. No meio do caminho de volta a civilização, mais um beijo. E tudo ficou na promessa do que poderá ser da noite seguinte, se haverá outro encontro, antes do riacho seguir seu curso normal, e a lua mudar.
Encontrei o Che, que me esperou numa outra rua, abastecemos o John Móvel e pegamos a estrada de volta pra casa. Agora rolou AC/DC, Stones, Beatles e Janis Joplin. Che me deixou em casa. Ele não topou comer lanche. Era 1 e meia da manhã. Entrei em casa, comi uns salgadinhos. 2 e 20 da manhã, antes de desligar a TV, recebi uma mensagem no celular: "Adorei ter conhecido você. Quero muito te ver amanhã. Bjos".

Estúpidos

Sexta-feira tem se tornado o melhor dia da semana. Está no meio de tudo. Está antes do possível fracasso da noite de sábado e depois da semana que é sempre cansativa. É o dia em que estou mais disposto pra sair, conversar, sem muita expectativa de que nada extraordinário aconteça, mas com muita vontade de que dê tudo certo. É tipicamente uma noite de muitos carros na rua e muitos copos de cerveja na mesa. Tem dia em que a tranquilidade da cidadezinha do interior é até agradável. Na quermesse que está chegando ao fim, o grupo Los Borracheros se apresentaram. Pra mim, é um grande dejavù. Assisti muitos shows deles, que fazem um som latino, na época em que candidatos a prefeito faziam comício com muita bexiga e papel voando. Era criança e acompanhava meus pais. Nossa turma tinha pensado em ir até lá ontem, mas os planos mudaram. Lis estava requisitada nessa noite. Perguntaram por ela assim que cheguei no posto. Então, tínhamos que ficar num local visível e propício para o possível encontro. E deu certo. Enquanto ela via a lua do outro lado, Che e eu comíamos salgadinhos. Cerveja não estava descendo ontem. Acho que era o frio. Tomamos uma só e, quando a cidade esvaziou, fomos embora também.
Em casa, tenho feito muita coisa que há tempos planejava. Estou revendo uns dvd's, ouvindo músicas esquecidas, lendo. Estou sem internet temporariamente. Meu notebook teve problemas com a tela e está no conserto. E ele resolveu quebrar na quarta-feira, justamente no dia em que meu pai acordou com o típico mal humor ariano, aquele sem motivo e sem direção. Meu pai consegue ser pior que eu quando acordo nesses dias. Ele foi buscar meu note na biblioteca com a cara de quem tinha acabado de chupar um limão. E falou: "por que você não levou para arrumar antes de quebrar de vez e bla bla bla..." Sim, meu note vinha apresentando problemas há mais de uma semana, mas como ainda dava pra usar, deixei pra lá. Agora vou pagar caro por isso. Nessa de ficar sem internet, tenho aproveitado para colocar meu sono em dia. Fico anestesiado, como se tivesse tomado o mais potente dos calmantes. Tenho medo de abrir a boca de sono e engolir algum objeto.
Minha semana no teatro foi produtiva, não como deveria, mas foi. As coreografias da "Casa de Brinquedos" estão quase todas montadas. A produção da peça é difícil e leva tempo, por isso, Paulo optou por estrear "Somos todos do jardim da infância" antes. Isso me pegou totalmente de surpresa. Temos em mente a data de 23 de novembro. Nessa semana, o número musical com "Banho de lua" ficou pronto. Um pequeno insight com "Help" dos Beatles, resultou numa calça minha rasgada. Quem mandou me abaixar demais? Ainda bem que ninguém percebeu. Ô urucubaca! O fato é que meu bloqueio criativo pra essa peça vai acabar nesse feriado quase prolongado, nem se for na marra.
Começamos também os ensaios para a apresentação de "Sexo dos Anjos" no festival de Varginha, que acontece no fim do mês. É, não tenho muitos motivos para conseguir dormir bem, sem ataques de sonambulismo. Numa manhã aí dessa semana, minha mãe entrou no quarto e me acordou. Eu me virei pra ela e disse "você é um garoto infantil". Ela: "o quê?". E eu: "é, está escrito aqui no teatro, 'garoto infantil'". Numa outra, no meio de algum sonho bizarro com os meus amigos, Che foi até a mim e disse "meu amor, está na hora de acordar!". Acordei assustado e vi que era minha mãe na porta do quarto. Ah, fora os pesadelos que tenho nos cochilos depois do trabalho. Depois de um deles na quarta-feira, acordei dando a volta no mundo. Não sabia que em eu era e demorei muito pra reconhecer minha casa. Mas tudo isso já foi muito pior na minha adolescência. Já tentei subir no guarda-roupa. Uma vez, meu pai foi me buscar na esquina de casa. Foi quando ele e minha mãe passaram a esconder as chaves de casa toda noite. Ah, e teve também a vez em que saí correndo, gritando, derrubando as cadeiras da copa e dando socos no suposto monstro que corria atrás de mim. #tenso.
Quinta-feira foi um dia difícil também. Sabe quando você perde oportunidades de ficar calado? Você caça problema, sarna pra se coçar. Pois é. Falei demais, fiz pergunta que já sabia a resposta, reclamei demais da vida e ouvi o que não queria. E o pior de tudo é que depois, ainda achei que estava em condição de cobrar alguma coisa. Ô urucubaca! Isso rendeu uma conversa difícil, dessas de novela, intermináveis e reveladoras, no final da noite. Sinto muita falta de alguém pra conversar. O único que me ouve é o Che. As outras pessoas que me cercam não saberiam me entender, não dariam nenhum conselho proveitoso, ou não estariam preparadas pra uma barra tão pesada. Já teve gente que até se aproveitou (nesses momentos aí de fraqueza em que preciso esvaziar o copo que está cheio) pra tirar um sarro da minha cara, ou então pra aliviar os próprios problemas. O Che é o único que ainda me suporta. Eu faço a minha parte também. Estou com ele para o que der e vier, pra quebrar qualquer galho. Mas mesmo assim, acho que às vezes fica tudo muito pesado pra nós.
Ainda na quinta, antes disso, Éder apareceu. Entrou mudo e saiu calado. Cumprimentou nós todos estranhamente. Sentou conosco no posto com a cara fechada e logo foi embora. Eu não tinha o que dizer. A questão não era não querer falar, mas sim não ter o que falar. Nenhuma demonstração de que a situação iria se resolver, então, ficou tudo como está.
Depois, alguém que andava meio sumido apareceu, alguém que apareceu na minha vida no começo do ano numa das vezes em que estive solteiro, e que quase ganhou meu coração. Tivemos um lance rápido e bom, mas que acabou por uma certa instabilidade sentimental que ainda ronda, pelo que percebi. Quis falar comigo. Entrei no carro e fiquei um tempão lá, ouvindo lamúrias amorosas e dando conselhos. Se fosse bom, a gente vendia né, mas já é um consolo conversar. Sei bem como é. Ainda mexe comigo, muito.
Sobre a noite de hoje, ainda não decidi nada. Muita coisa conversada nessa quinta-feira foi determinante para o que vai rolar hoje. Acho que preciso dar um tempo, aliviar a minha barra e dos outros, que me carregam nas costas. Estou sobrecarregando meus amigos. Não quero bloquear, podar ninguém. Todo mundo tem direito de correr atrás dos seus lances, suas vontades, de fazer sua própria história. Me incomoda demais o fato de que viro preocupação das pessoas toda noite, de que gostem de mim e tentem me proteger de mim mesmo. Podem deixar, eu me aguento. Será a noite da liberdade.

Visões do futuro

A cidade amanheceu coberta de papel. Quase não se via sarjeta. Do caminho de casa até o meu local de votação, não havia uma rua que não estava assim. Dia de eleição é sempre um dia agitado. As pessoas ficam alvoroçadas. As ruas ficam lotadas de pessoas que você nunca viu, que moram na mesma cidade que você, mas que você nunca viu. Existe algo diferente no ar. Pra mim, sempre foi assim. Talvez seja um sentimento de que é o dia em que você pode dar um grande passo, que pode modificar a sua vida e de todo mundo que conhece. É uma decisão que não permite erros, equívocos, indecisões. Você faz a sua parte achando que tem razão, e torce pra que ela prevaleça perante os milhões que, assim como você, esperam o mesmo. Esse foi meu voto mais consciente. Fiz um esforço pra me inteirar das propostas, dos acontecimentos, do histórico dos candidatos, pra fazer o melhor possível na hora da eleição. Os resultados me surpreenderam bastante. Eu amo meu país, sinto orgulho do Brasil, adoro o povo brasileiro, e não trocaria minha nação por nenhuma outra, mas, dessa vez, não foi possível não me decepcionar. Parte dessa mesma nação que tanto adoro, elegeu um palhaço analfabeto (que durante sua campanha, só fez zombar da cara do eleitor) como deputado federal, mesmo sabendo que ele traria de volta várias laranjas podres que já pintaram e bordaram com o dinheiro público e saíram ilesos da situação. Outra parte da nação colocou no poder uma dessas laranjas podres, sem quem ela precisasse da esmagadora soma de votos do palhaço companheiro de partido. Longe daqui, no Distrito Federal, outra parte da nação mandou para o segundo turno uma candidata a governadora completamente despreparada, inclusive psicologicamente, que entrou de gaiato no navio, assumindo o lugar do esposo que se retirou por ter a ficha mais suja que pau de galinheiro. E não parou por aí! Teve jogador de futebol endividado, cantor de pagode que bate em mulher, cara metido a operário e sindicalista que participou de esquema de desvio de dinheiro, político com a ficha mais suja do país que só está esperando um sinal verde pra comemorar a vitória, uma infinidade de personagens que, se não entraram, se deram muito bem nas urnas. O voto obrigatório perdeu o sentido por aqui. Pouca gente sabe a importância que o direito de decidirmos os governantes do nosso país, tem na nossa vida. É uma individualidade sem tamanho, não há mais pensamento no coletivo. Não acredito em voto de protesto, não dessa forma. Protestar é mudar os hábitos, é ler jornal, acessar sites na internet atrás de notícias, de informação, assistir o horário eleitoral com visão crítica, é não permitir ser feito de palhaço, é não dar atestado de burrice, é escolher certo e votar certo, fazer bom uso do direito que temos, direito que muitos lutaram pra conseguir, pra que hoje tivéssemos voz. Houve uma época em que não se podia falar de política, não se podia ter opinião, exigir nada, cobrar nada. Muitos deram o sangue pra que isso mudasse. Muitos morreram por esse ideal. Muitos que, amavam nossa pátria mais que nós todos hoje em dia, tiveram que deixá-la, porque não cabiam no sistema. Hoje, somos livres, temos voz, podemos exercer nosso direito de cidadão, e o que temos feito com isso tudo?
A votação foi tranquila. Encontrei Lis e Che na saída, duas pessoas com quem conversei muito sobre política nos últimos dias. Fomos dar uma volta, até pararmos no posto. Lis não ficou muito tempo, logo saiu, por um motivo muito nobre, um motivo que apareceu no sábado a noite, assim do nada, e está movimentando a vida dela nos últimos dias. Che e eu continuamos no posto, na companhia de algumas cervejas. Já tinha desistido de que alguma coisa proveitosa acontecesse nesse final de semana. Sexta-feira teve uma noite complicada. Recuperados, sãos e salvos do temporal que nos pegou de surpresa durante a tarde, nos encontramos no posto. A chuva ainda ameaçava cair. Demos umas voltas e paramos no Geraldo. Já falei desse bar por aqui. Gosto de ficar por lá. Tá sempre tocando rock e podemos ficar ao ar livre, na praça, tomando cerveja. E o pessoal que frequenta lá é muito sossegado, todo mundo fica na paz, numa boa. Éder apareceu e se juntou aos três mosqueteiros. Papo vai, bebida vem, e alguns comentários desnecessários e visivelmente mentirosos começaram a tornar a noite um pouco desagradável. Che, Lis e eu somos da paz. Nós temos nossos rolos, nossas discussões e quebra-paus, mas somos muito sinceros. O que temos que dizer, dizemos e pronto! Não ficamos com leva-e-traz, e não deixamos nenhum assunto mal resolvido entre nós, e confiamos uns nos outros. Mas nem todo mundo é assim. Algumas atitudes vão se somando e moldando o caráter das pessoas, aos nossos olhos. Não engulo essas tais atitudes há muito tempo. Já fui vítima delas algumas vezes, e só não abri mão dessa amizade por causa dos meus outros amigos, que não tinham nada a ver com a história, e que ficariam divididos. Há tempos venho percebendo essas más intenções, e agora o copo está enchendo. O fato é que minha amizade com Éder anda complicada. Não aceito seu comportamento infantil, sua íncrivel capacidade de criar mal -estar, e sua leve intenção de sempre jogar uns contra os outros. Nessa noite, ele mesmo trouxe a tona de novo uma história que acabou de ser abafada, um atrito que ele teve com Leandro, e trouxe de uma forma que, pra mim, não foi nada convincente, e pior, envolvendo meu nome, eu que não tinha nada a ver com a história. Anteriormente, ele teve a oportunidade de se explicar, e não fez. E isso pra mim foi como assinar atestado de culpa. O fato é que ele e eu nos estranhamos, como dois cavalheiros, só na base da palavra. Nessas horas, não tenho papas na língua. Se não deixar claro o que penso, não sou eu. Enfim, Leandro apareceu depois e contou uma outra parte da história. Bom, o clima estranho da noite já estava estabelecido, apesar de todos estarmos nos tratando super bem. A essa altura do campeonato, tínhamos consumido 4 litros de cerveja. Todos passaram ilesos por isso, eu não! Não sei o que houve, mas passei mal. Lislaine já tinha ido embora, e os meninos foram me acompanhar até em casa. A cerveja não caiu nada bem. Estava com sono, muito cansado, indisposto, bebi e aí, sei lá. Ou era então o fato de ter de me segurado tanto pra não dizer algumas verdades cruéis pra quem merecia.
Novinho em folha de novo, a noite de sábado chegou, depois de uma tarde imprestável que se resumiu em cama-sofá-cama-cozinha-sofá-cama. O destino foi o Mancha. Rock n' roll de sempre, vinho básico, papo descontraído com Maikinho e Joãozinho, que estavam conosco! Passou pela nossa cabeça uma ida até Palmeiras. A Lis estava animadíssima, mas Che e eu nos recusamos, talvez por comodismo, pela cidade também ser pequena e ter tantos atrativos quanto aqui. Bom, mas Deus escreve certo por linhas tortas. O lugar da Lis no sábado a noite era pra ser Tambaú mesmo. Éder apareceu e o clima para o lado dele não estava bom. Eu posso falar só de mim mesmo, mas as atitudes dele não vem incomodando só a mim na nossa turma. Logo ele foi embora, de novo, mais uma vez sem tentar se explicar, sem esclarecer as coisas e sem deixar tudo bem.
Diante desse final de semana sem muita imaginação, a conversa entre Che e eu na praça, no domingo a tarde, depois das cervejas no posto, só podia ser uma versão bem humorada de como mudarmos nossa rotina no final de semana. Sempre disse pro Che que ele é um grande acomodado, que ele prefere o fácil, o terreno conhecido, que não se arrisca. Lislaine e eu estamos sempre atrás, e os três se condenam ao ostracismo. Che está consertando seu carro, eu penso em tirar carta no final do ano e arranjar um carro também. Nos apoiamos na ideia de que, quando não tivermos mais que andar a pé, não haverá essa rotina, que nossa vida se abrirá para novas possibilidades, de baladas, de pessoas, de oportunidades. Vamos aguardar. Espero ainda ter muita história pra contar.
Enquanto bebíamos mais uma ou duas cervejas e elas iam subindo, o papo começou a ganhar outros tons. Por causa das últimas discussões que tivemos, ficar sozinho com o Che não tem sido tão fácil. Nada demais, simplesmente porque me sinto às vezes a pessoa mais entediante do mundo, a que sempre está falando de coisas chatas, monótonas, desnecessárias e inconvenientes. Sei lá, sinto uma certa obrigação de ser legal, depois de ter me comportado de maneira grosseira há alguns dias. Nós conversamos assuntos que só nós suportamos, assuntos que só converso com ele. São viagens, pensamentos que a pequena embriaguez proporciona, e a gente embarca, um na viagem do outro. Essa tarde foi legal. Não sei porque, mas o assunto principal foi o futuro, talvez por causa das eleições. A essa hora, já aguardávamos ansiosos algum resultado. Que surpresas o futuro reservava para o nosso país? E pra nós, dois amigos beberrões em um domingo a tarde? Ah, o Che vai se casar, ter filhos, netos. Vai ser dedicado com a sua esposa, que mesmo que não seja a mulher dos seus sonhos, ele vai amar muito. Vai ter um emprego que vai suprir as necessidades da sua família, até se aposentar e virar um velho insuportável. Vejo Che morando aqui em Tambaú pra sempre, não sei se ele teria coragem de um dia ir embora. Não sei porque, mas eu tenho a impressão de que ele um dia vai esquecer de tudo que vivemos. A Lis não fica aqui, vai fazer faculdade e, quando se formar, não bota mais os pés na cidade nunca mais. Vai virar professora de dança e essa será sua profissão. Vai me mandar cartões de Natal e me chamar pra batizar seu primeiro filho, com seu marido malucão. Ela não esquecerá nossa história. O meu futuro é o único que não consigo imaginar, desenvolver uma tese. Olhar de fora é muito mais fácil. Che diz que não vou morrer aqui, que vou embora, trabalhar em outro lugar, que não vou acabar sozinho, que terei uma companhia, e que o Teatro será sempre a minha profissão, de um jeito ou de outro. Eu só tenho certeza que nunca esquecerei tudo que vivemos, mesmo quando tudo mudar, e cada gota d'água tiver que seguir seu caminho nesse riacho. Enquanto isso não acontece, temos que fazer a diferença, positivamente se possível, um na vida do outro. Não estamos aqui juntos vivendo tudo isso por acaso.
No domingo, depois de mais uma dessas noites em que não fazemos nada juntos, desci sozinho por outro caminho. Quis pegar algo pra comer na lanchonete perto do Santuário, e como ninguém estava afim, fui lá, tendo como companhia somente meu mp3. A solidão me caiu bem nessa hora, como uma luva. Nós vamos vivendo, os dias vão passando, e às vezes eu me esqueço, deixo de lado, substituo. Foi bom lembrar de tudo, de quem sou, do que gosto, dos meus sonhos, das minhas frustrações, paixões, do que me deixa imensamente feliz, dos lugares que gosto de frequentar, das baladas que gosto de ir, das pessoas que quero perto de mim, da comida preferida, do beijo mais incrível, isso tudo sem questionamentos, sem explicações. Só minha vida e eu, meu passado e meu presente. Foi bom me encontrar.

O temporal

07:00 hs - Minha mãe entra no quarto e diz "está na hora"... Cinco segundos pra eu assimilar o que é que está na hora e pimba! Estou de pé. Na época do colegial, minha mãe era mais elétrica. Abria a janela, lançava o sol na minha cara e dizia animadíssima "vamos acordar... você está atrasado". Foi o que fez durante um bom tempo eu acordar com o rádio programado na fm. Um despertar sofrido que tenho lembrança é de uma vez, quando estava na 4ª ou 5ª série, e fui acordado, num dia de prova de Geografia, com o som do rádio na cozinha, que estava tocando uma música do Leonardo, algo mais ou menos assim: "horizonte azul, vermelho, luzes a brilhar..." #tenso. Hoje em dia, ela entra, diz que "está na hora" e sai. Depois de um tempo, volta na ponta do pé, em silêncio, pra ver se eu realmente levantei. Pensa que eu não vejo. Às vezes, eu já estou de pé. Outras vezes, eu saio da cama pra valer quando a vejo pela segunda vez.

07:05 hs - Corre pro banheiro, escova os dentes. O cabelo, deixa pra depois. Aí é a hora mais chata, escolher a roupa. Tem dia que não gosto de jeans, tem dia que não gosto de tactel, tem dia que não gosto de xadrez. A camiseta é a parte mais difícil. Nunca nenhuma me agrada. Essa já tá velha, essa me engorda, essa já não serve mais mesmo, essa não combina com a calça. Tem dia que o jeito é optar por uma sobreposição: camiseta e camisa. Me visto e corro pra pegar o All Star, que também tem que combinar, senão fica um desastre. Pronto! É hora de colocar as chatas lentes de contato. Ah, tem manhã que meus olhos parecem ter um caminhão de terra, e ardem. Fiz o antipático um dia desses e tomei café-da-manhã de óculos escuros. Ah e agora arruma o cabelo! Passa pomada e arrepia.

07:20 hs - O café-da-manhã é sempre o mesmo, pão com manteiga e leite. Não sinto fome logo que acordo. Só como mesmo pra larica não atacar feio depois. Chega a hora do primeiro cigarro. Toda noite antes de dormir penso em largar essa porcaria, aí digo pra mim mesmo que não vou fumar no dia seguinte. Mas depois do café-da-manhã, esqueço a promessa. Fumo pra me aguentar! Tem dia que é difícil mesmo, só na base da nicotina. Sou ansioso demais. È um cigarro pro café-da-manhã, outro pra quando chego na frente da biblioteca, outro pra quando entro, enfim, tudo é motivo pra acender um cigarro.

07:40 hs - Meu pai me dá carona todos os dias, até perto do trabalho. Aí tem mais uma caminhada de uns 5 minutos e chego na biblioteca. Nesse percurso, estou sempre com o mp3 do meu celular ligado. Tem dia que acordo mais mpb, outro dia mais rock, no outro rock nacional, e em outros, melancolicamente pop dos anos 90. Marcinha, que é funcionária, está sempre adiantada e chega primeiro que eu. Adoro encher o saco. Fico atrás dela quase o dia todo, imitando o papagaio do Chapolin Colorado e perguntando se ela quer casar comigo. Antes, eu a assustava, mas isso a deixava muito brava. Quando vou na cozinha, ela começa a conversar comigo e não pára mais. Fala, fala, pelos cotovelos. Quando eu volto para o trabalho, do meio da biblioteca, ainda ouço ela falando, sozinha.

07:50 hs - Josi chega.. É ela que abre a biblioteca todos os dias. Fatinha logo aparece. Ela é sempre a mais animada. Nunca vi a Fatinha de mal humor, pra baixo. Che chega depois. Tem dia que dá medo de olhar pra ele, chega com uma cara péssima, com olho inchado de sono. Passa uma meia hora e ele volta ao normal, aí ele fala, conversa, dá risada. Ah, essa semana a gente não está se estranhando. Só na segunda-feira que rolou um mal-estar por causa de uma ou outra atitude idiota de ambos, mas que resolvemos no mesmo dia. Sim, saímos só nós dois na segunda a noite, a pedido meu. Queria acertar as coisas, saber o que estava acontecendo. Nos últimos dias, qualquer palavra era interpretada como agressão, como ofensa, e acabávamos num climão danado. Mas tudo está certo agora. Lis trabalhou a semana toda de manhã. Normalmente, ela só aparece a tarde. Ela não teve aula, por causa dos Jogos da Primavera, então ficou com a gente. Nossas conversas pela manhã tem sido sobre política, influenciados logicamente pelas manchetes da Folha de São Paulo. Um ou outro lê algo relevante no jornal, e nós comentamos, discutimos. Ontem a noite, depois do teatro e de ter ido embora mais cedo por causa da maldita lente do olho esquerdo estar me incomodando demais, acompanhei os últimos 3 blocos do debate dos candidatos a presidência da república. A Dilma, como citei há algum tempo aqui mesmo no blog, é pra mim um boneco de ventríloquo, e com a fisionomia de uma máscara do carnaval de Veneza, como disse Aguinaldo SIlva no twitter essa semana. A candidata, além de demonstrar um despreparo visível e uma grande falta de jogo de cintura diante das alfinetadas do velho Plínio, não apresentou nenhuma proposta inovadora, mas sim, primou pelos elogios aos 8 anos de governo Lula e, afirmou e reafirmou que dará continuidade a todos os projetos do PT, mais bolsa-família, mais "minha casa, minha vida". Tudo mais do mesmo! O que me chamou a atenção foi ela ter dito que sua meta é transformar o Brasil num país desenvolvido. Como isso pode acontecer se o Brasil possui um grande caos na saúde (exatamente nas regiões onde ela tem mais eleitores, vai entender!), falhas na educação, a segurança nem se fala? A meta é pagar loucamente a dívida externa para se livrar desse calo e tornar o país mais independente, enquanto deixa em banho-maria as situações problemáticas com o assistencialismo maquiado de política social? Assistencialismo, que fique claro, que garante muito voto e a permanência do PT no poder por mais 4 anos. Se uma parede apresenta um buraco, uma rachadura, não adianta tapá-lo com uma massa fajuta, só pra visita não ver, porque, uma hora ou outra, o buraco vai se abrir de novo. Bom, de mensalão e escândalos, nem se tocou no assunto. O candidato Serra usou de um discurso parecido. 20 entre 10 respostas do candidato começavam com "quando eu fui governador...". Onde estão as novas propostas? E já que era pra se falar da época em que era governador, por que Serra não falou dos ataques da facção criminosa a São Paulo, do seu súbito desaparecimento enquanto o Estado inteiro esperava uma posição, e o que ele fez foi jogar a polícia militar contra a civil, piorando muito a situação? E dos problemas da educação, das greves dos professores e alunos nas faculdades, e de como era difícil e intempestivo entrar em um acordo? Serra também me decepcionou em sua campanha. Ver que as pesquisas o deixavam distante da primeira candidata, não era motivo pra desespero. Não havia necessidade do descontrole com a imprensa e nem das declarações de fracasso que deu nos jornais e na televisão. Há 3 semanas da eleição, o candidato dizer que sua campanha precisava de um RESTART (sem trocadilhos, ok?) é, no mínimo, uma grande demonstração de despreparo. Poxa, será que nem o seu marketeiro, ele soube escolher direito? De qualquer forma, o PSDB governou bem São Paulo nesses últimos anos. O Estado cresceu, se desenvolveu, e pode ser que dê certo no governo presidencial. Mas Serra é meu candidato se houver um segundo turno. No primeiro turno, meu voto é da candidata Marina Silva. Gosto de suas propostas, sua sensatez e seriedade, sua história, e acredito na competência dos candidatos do Partido Verde, um partido relativamente novo que vem construindo uma história e que poderá chegar longe, numa próxima vez. Marina tem experiência, garra, lutou muito pra chegar onde chegou. Admiro-a muito por ter saído fora do PT quando estourou a bomba do mensalão. Nesses casos, ou você se junta com a turma de ladrões, ou cai fora, não há espectadores. E Marina saiu, foi para um partido que defende os mesmos interesses que ela, e fez uma campanha honesta e digna. O Plínio é um fanfarrão, uma figura, muito inteligente, idealista. Mas esse idealismo pode ser bom até certo ponto. Mudar o Brasil para o que ele pretende não se faz em 4 anos, nem em 8 anos. Muitos interesses estariam em jogo, são cartas que estão na mesa do mesmo jeito há muitos anos, e o Piiisol encontraria muitas dificuldades para promover essas mudanças sociais. Queria muito ver como um partido pobre de esquerda se sairia no governo do Brasil, mas essa não é uma época para se apostar em incertezas desse porte.

09:30 hs - As manhãs na biblioteca costumam ser agradáveis. Logo que chego, fecho os livros, de empréstimo e de frequência. Temos que ter o controle diário disso: quantos livros saíram para empréstimo, quantas pesquisas foram realizadas e a frequência de sócios. Marcinha faz sempre chá e café com bolachas e sempre dou um escapadinha até a cozinha. Sempre atualizo o blog da biblioteca nesse horário. Gosto muito de fazer isso. Acho ótima essa interação que podemos fazer com os sócios através da internet, dando dicas de livros, de autores, relembrando grandes obras e postando notícias sobre o mundo literário. Aliás, quem quiser acessar e nos seguir, o endereço é http://bibliotambau.blogspot.com . O movimento na biblioteca de manhã varia bastante. Tem dia que a gente mal chegou e já tem gente na porta querendo entrar. Tem dia que não aparece quase ninguém, quando chove por exemplo.A hora passa rápida de qualquer forma.

11:15 hs - Almoço na biblioteca todos os dias, no mesmo horário da Marcinha e da Josi. Era cansativo demais ir a pé pra casa todo dia e voltar no período de uma hora. É divertido! Minha mãe sempre manda suco. Refrigerante durante a semana, nem pensar. Josi, Marcinha e eu batemos altos papos, rimos muito. Depois, cada um lava a sua louça e eu fico na internet até dar meu horário. Passo praticamente o dia todo na internet. Fico no twitter, no e-mail e no blog da biblioteca. Gosto de saber o que está acontecendo, ver os trending topics, as mensagens, afinal, trabalhamos com cultura e informação. Adoro trabalhar na biblioteca. Gosto de ficar no atendimento, de indicar livros, de procurá-los para as pessoas. Só não gosto muito de pesquisa. Me embanano todo e quase sempre acabo pedindo uma ajuda pro Che, que é fera nisso. Gosto também de fazer carteirinhas dos novos sócios. O que mata é a arcaica máquina de escrever, enquanto o arquivo e as fichas não são informatizadas. Na verdade, nunca imaginei uma biblioteca sem o som de máquina de escrever. A biblioteca vem ganhando cada vez mais sócios. Cada mês, temos tido um faixa de 30 sócios novos, um por dia. Isso faz nosso trabalho ser mais gratificante, principalmente quando percebemos que a grande maioria são crianças e adolescentes.

14 hs - Nessa hora, todo mundo já voltou do almoço. A tarde costuma ser mais corrida. O movimento na biblioteca aumenta e o cansaço também. Essa semana foi extremamente cansativa pra mim. Na terça-feira, tivemos ensaio da "Casa de Brinquedos". Ensaiei com os atores uma nova coreografia, da música do "Trenzinho". Não fiquei muito satisfeito com o resultado. Às vezes, imagino a coreografia mas quando vamos executá-la não sai exatamente da forma que eu pensei, aí é hora de fazer uns ajustes até chegar exatamente onde queremos. Na quarta-feira, não aguentava de dor nas pernas. O ensaio tinha sido difícil, corremos uma maratona atrás desse trem hehe. Mas a noite foi de descanso. Fiquei no msn com a Lis e o com o Che, a quem ajudei a dar um jeito em alguns problemas no computador. Ontem a noite foi dia de ensaio de novo, com o pessoal do espetáculo "Somos todos do jardim da infância". Paulo não estava bem, e foi embora. Comandei o ensaio sozinho. Os atores apresentaram cenas de Nelson Rodrigues, num laboratório onde estamos estudando os conflitos. Depois, foi hora de nova coreografia, a primeira do espetáculo. Será "We go together", da trilha do filme "Grease - nos tempos da brilhantina". Baixou o John Travolta em mim e fomos ao trabalho. A coreografia ficou muito legal e os atores gostaram bastante também. Passamos a coreografia umas vinte vezes, e depois, no fim do ensaio, fomos para o texto. Saí de lá quase 10 da noite. Depois de passar pela casa do Paulo para entregar umas coisas, Che, Lis e eu fomos para o posto. Quando cheguei em casa, depois de ver o debate, meu caso foi "perda total", na cama.

16:40 hs - A tarde estava tranquila hoje. Paulo apareceu e depois de mais um papo sobre política, Che, Lis e eu ficamos na internet, investigando as fichas sujas dos candidatos a eleição desse ano. Percebi que o ambiente estava escuro. De repente, se ouviu um trovão. Fatinha foi até a porta e disse que vinha chuva forte por aí. Fui até lá ver e realmente, o tempo estava ficando feio. Em questão de minutos, a situação piorou. O vento que entrava pela biblioteca era cortante. As luzes da cidade se acenderam. Na rua, se via uma enorme cortina de poeira, correndo entre os carros apressados e as pessoas, que tentavam proteger os olhos. Nuvens negras apareciam, de um lado para o outro. A porta da biblioteca bateu. O dia estava virando noite. Minha mãe ligou no meu celular e eu pedi que meu pai, que estava no trabalho, fosse me buscar.

16:50 hs - Josi veio correndo do fundo da biblioteca assustada. Desligamos os computadores. Era hora de irmos embora, antes que o temporal nos isolasse na biblioteca. Che pediu pra ir antes da chuva, se despediu e sumiu de moto no meio da poeira. Josi e Marcinha fecharam as portas. Recolhi minhas coisas. Marcinha foi embora a pé, depois de eu pedir que tomasse cuidado. Os relâmpagos começaram e o céu estava cada vez mais escuro. Saímos apressados, depois de fecharmos tudo. Lis correu para a sua casa. Ela mora perto da biblioteca. O vento assustava. Agora, os motoristas dos carros estavam mais alvoroçados. Josi ficou nervosa. Ela não gosta de dias como esses, a assusta mortalmente. Entramos no carro da Fatinha para esperar meu pai chegar. Dizem que o lugar mais seguro em dias como esses é dentro do carro. O vento parecia que ia nos engolir. Alguns pingos grandes caíram no vidro. A chuva começou. Esperamos cerca de 10 minutos e nada do meu pai aparecer.

17 hs - Diante da demora, liguei para minha mãe, que me disse que meu pai não poderia ir me buscar pois o movimento no trabalho estava intenso. Meu pai trabalha numa farmácia da cidade, há anos,. Ele ganhou o respeito e a confiança da cidade por seu trabalho e tem uma freguesia grande. Bom, Fatinha ligou o carro e saiu para me levar para casa. Muita chuva no meio do caminho. A avenida José Gatto, que corta a cidade e fica perto da minha casa, parecia um grande lago. Carros na mesma situação que a nossa passavam por nós. Chegamos em casa e a enxurrada cobria a calçada. Há tempos não via um temporal desse aqui em Tambaú. Me despedi delas e entrei em casa. Minha mãe me esperava no portão. Ela me disse que meu pai tinha saído pra me buscar, assim que ela ligou para dizer que não precisava mais. A chuva continuava intensa. 10, 15 minutos e nada do meu pai aparecer. Começamos a nos preocupar. Aos poucos, o céu foi perdendo a sua escuridão. E a chuva começou a diminuir. Meu pai apareceu, são e salvo. Temporais geralmente são assim, nos pegam de surpresa na hora mais imprópria e causam transtorno para nós. Depois, ele passa e é hora de conferir os estragos que ele causou, as árvores que ele derrubou, as ruas que inundou. Mas, na maioria das vezes, ele só vem pra molhar a terra, lavar os telhados, encher os rios, e refrescar o tempo. É chuva passageira, com muito barulho e luz.