“Eu vi lá do alto, a cidadezinha toda iluminada. Estava silenciosa, imóvel e inspirava uma delicadeza que eu nunca tinha reparado antes. O vento cortava suas antenas e telhados. A torre da igreja, aquela da pracinha do final de semana, também se encontrava com o vento. Lá do alto, eu vi as avenidas vazias, sozinhas, tristes, e as casas, escondendo grandes segredos e dores numa grande solidão. Lá do alto, vendo a cidadezinha toda iluminada, eu tentei me encontrar no bucolismo desse cenário. Onde eu estou? Onde eu caibo? Onde cabem minha história, minha vida, meus desejos, sonhos, meus gritos de liberdade? Não, não cabem na cidadezinha, transbordam e escorrem pelas mãos. Eu tenho coração e mente ciganos, de andante. Eles nunca param o movimento assavalador. Tudo é sempre pouco. O novo fica velho bem rápido, a novidade envelhece. Eu tenho coração de andante e o que me consome é o tempo. Olhando a cidadezinha iluminada, lá de cima, eu quis voar pra bem longe, pra um lugar onde não houvesse nenhum pedaço de história minha perdida. E eu ia ficar lá, fincar o pé, espalhar minha arte, amar na contramão. E eu ficaria lá, até que a cidade parecesse me sufocar.”
Alguns dias se passaram desde que voltamos do festival de Varginha, e a história finalmente morreu. Quase não se fala mais nisso, não com aquela seriedade de antes. Hoje tudo é em tom de piada. Hoje é sábado de tempo meio estranho por aqui. Sol entre nuvens, entende-se muitas nuvens, nunca quer dizer nada. Eu me recupero de uma semana corrida, que passou voando e me esmagando. E o fato de que esse é um início de feriado prolongado é uma bênção. Ontem Che e eu saímos. Fomos no evento de encerramento dos Jogos da Primavera 2010, na Lex Luthor. Cheguei por lá um pouco depois das oito, jurando que estava atrasado. Quis matar a Lislaine quando me dei conta de que o evento ia começar uma hora depois. E a Lis nem apareceu, estava cansada. Ela está cheia de compromissos nos últimos dias. Prestou o ENEM na semana passada, está ensaiando para o Festival de Dança que irá participar no dia 11 de dezembro, e tem o vestibular que se aproxima também. Quase não a vimos nos últimos dias. Na biblioteca, ela apareceu só umas 2 vezes nessa semana. Bom, Che apareceu e fomos para o posto. Depois, voltamos para a Lex. Tenho sentido muita vontade de estar perto do Che nos últimos dias. No próximo mês, ele vai enfrentar uma cirurgia complicada no joelho e ficará de molho durante a recuperação. Ele não fala, mas sei que está preocupado, principalmente por ter que ficar em casa, sem poder sair durante algumas semanas. Nós amigos temos que apoiá-lo de alguma forma nesse momento. Nem estava afim de ir no baile hawaiano de hoje a noite, num clube aqui da cidade, mas como será o último antes da cirurgia dele, resolvi ir.
Ontem na Lex, quem foi coroada Rainha dos Jogos da Primavera 2010 foi a Belinha, aluna nossa do teatro, que está no elenco de “Somos Todos do Jardim da Infância”. Ela representou a Bandeira Azul e conseguiu vender mais votos. Em terceiro lugar, ficou a Carol, que também faz uma participação na nossa peça. Ela também ganhou o Troféu de Rainha que teve maior destaque na abertura dos Jogos, e representou a bandeira amarela. Depois das premiações, uma banda de pagode daqui de Tambaú se apresentou no palco da balada. Os caras mandam bem, mas como pagode não é nossa praia, Che e eu fomos embora. A noite ontem foi de vento cortante. Meus olhos lacrimejavam com a terra que entrava neles. Usar lente de contato às vezes é foda. Quando cheguei em casa, com os olhos emaconhados, a chuva não demorou a cair. A noite foi divertida. Che e eu conversamos bastante, principalmente sobre nossa adolescência, como nós eramos “loosers”. Bom, pelo menos não estudamos em escolas americanas, né. Eu disse pra ele que a gente melhorou muito, mas ele discordou. Na Lex ontem só tinha adolescente, e aí vem aquela hora de se sentir meio “tiozinho”. Sou muito novo ainda pra sentir isso hehe.
Che não é o único que vai entrar na faca nos próximos dias. Eu também vou me submeter a uma cirurgia, no mês que vem, não tão complicada como a dele, mas igualmente necessária. Fui numa consulta essa semana, uma consulta constrangedora, com aquele tipo de médico que você nunca quer visitar. Pois bem. Ah, não, não foi com o proctologista, ok? Foi menos pior, mas igualmente chato. Algo como “bota o bicho pra fora...” e “quando ele fica duro, dói?”, não é agradável de se ouvir, principalmente quando se está uma pilha de nervos. No dia seguinte, fiz os exames. Urinar no potinho de manhã é outra coisa chata. A gente nunca sabe a quantidade necessária de xixi. Exame de sangue é perturbador. A enfermeira disse: “eu vou tirar um pouco do dedo e depois da veia, certo?”. “Ah sim, certo”. E continuou: “você está morando aqui agora?”. “Sim, estou, voltei de São…”. Aaaaaaai! O dedo já tinha ido. E ela insistiu: “você está bem, está trabalhando?”. “Sim, estou trabalhando na biblioteca e no te...”. Aaaaaaaaaai! Foi a vez da veia! E foi mais assustador porque ela tirou uma seringa gigante de sangue. Por um momento, achei que tinha entrado na fila da doação. #tenso. Ah, os gritos foram só em pensamento. A única reação foi virar o rosto e fazer a expressão de quem chupa uma laranja azeda.
A semana no trabalho começou tranquila, sossegada, depois acabou parecendo um episódio de “Eu, a Patroa e as crianças”. Na quinta a tarde, uma pomba invadiu a biblioteca e instalou nas madeiras do telhado. Depois de um tempo, tentou sair e bancou a suicida ao se lançar em cheio no vidro em cima da porta de entrada. Começamos a nos importar quando a pomba, lá de cima, sujou a primeira mesa. Tinha pouca gente lá naquele dia, só alguns meninos usando a internet. Che e eu então pegamos umas pedrinhas e tentamos acertar na pomba, para que ela se assustasse e saísse. Demoramos muito pra acertar e algumas pedrinhas ficaram perdidas no meio das estantes. Che conseguiu acertar um tempo depois, mas o máximo que conseguiu foi que a pomba virasse as costas. Josi trouxe então uma bolinha de papel de jornal com uma pedrinha dentro. Impossível, não subiu nem metade do caminho. Tentou então uma tampinha de caneta amarrada na ponta de um rolo de barbante. Nem a deixamos tentar em vão hehe. Che jogou a caneta toda, com tampa e tudo. Acertou e a pomba nem se mexeu. Tentou de novo e nada. Tentou a terceira e acabou com a mão azul, quando a caneta estourou. Marcinha trouxe então o adaptador do aspirador de pó. Quase rachamos a mesa e a pomba continuava lá, sujando tudo. No dia seguinte, a maratona continuou. A biblioteca estava movimentada. Tinham os caras que estão instalando os ventiladores, e um deles, o Neto, tentou acertar a pomba também. Ele acertava pela esquerda, ela voava pra direita. Ele acertava pela direita, ela voava pra esquerda. Isso rolou umas 10 vezes, juro que fiquei tonto. Neto desistiu. Todos nós desistimos. No fim do dia, a pomba voou morta de fome pela porta, pousou na entrada e saiu andando. Minutos depois, Paulo chegou com alpiste e uma gaiola, no que seria uma tentativa de pegar a pomba. Mas chegou tarde demais hehe. Ah, teve também o menino que quis fazer um pic-nic e colocou uma garrafa de Fanta na mesa de estudos, tiveram também os problemas com a informatização. Nos demos conta de que não será nada fácil. Teremos que começar praticamente do zero a arrumação das estantes.O ano está mesmo chegando ao fim. Já vi propaganda de Natal na tv, alguns papais-noéis pelas lojas da cidade. Minhas tias já montaram a árvore. Ufa! 2010 está indo embora, e a história desse riacho também está chegando ao fim. Mas ainda falta ver como tudo vai terminar… Eu só sei que não vai terminar como começou. A vida vai passando, nós vamos perdendo e ganhando o tempo todo. E algumas mudanças são inevitáveis. O ser humano tem que sempre esperar alguma coisa acontecer, ou alguém chegar, ou simplesmente ter um motivo externo que o faça querer continuar vivendo, acreditando, com esperança. Depois que consegue, arruma outro querer, depois outro e outro. Nessa semana, eu senti que o que me fazia bem no começo dessa história não é mais o que me mantém de pé. Nem aquilo que me fez perder esse “apoio” imaginário, existe mais. E aí eu fiquei sem nada, caçando novos motivos externos pra continuar acreditando. Quem sou eu pra tentar entender essas coisas sem explicação? A vida vai passando, modificando tudo e a sensação que eu tenho é só a de que tinha que ser assim mesmo. No domingo passado, eu liguei para Limeira e coloquei um ponto final na história que nem tinha começado direito. Não ia dar certo, já estava chato, maçante e insistente, murro em ponta de faca, sabe? Planejei fazer isso a semana toda, criei coragem e fiz. É difícil pra alguém que sempre reclama por estar sozinho tomar uma atitude dessa. Mas a gente tem que se proteger de futuras decepções, principalmente quando elas são evidentes. Depois disso, aquele fogo resistiu mais uns 2 dias, depois apagou de vez. E a história ficou pra trás. Fiquei de coração limpo, e essa falta de amor, me fez ver o porquê que essa breve história aconteceu.
No dia seguinte, um temporal estava chegando em Tambaú. Eu estava na internet, no bate-papo do Facebook. A chuva começou. Vi então que aquela antiga paixão, que se manteve acesa durante 5 anos, e que começou a apagar quando voltei para o interior, abrindo mão da vida em São Paulo, estava on line. Escrevo, ou não escrevo? Escrevo! Não, não escrevo! Ah, vou escrever! “Oi!”. Nessa hora, um trovão ensurdecedor ecoou no céu e pareceu que a luz do dia deu um pique. Desliguei o computador na mesma hora e não vi sequer se a minha mensagem teve resposta. Vai entender a vida… e seus sinais…
Um comentário:
Agora imagine para um patrão ler todas essas aventuras da biblioteca. rs. E ainda ler que a culpa do rádio queimado é dele. Só tenho um comentário a fazer: "Veio nos trilhos do tempo o trem do destino..."
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