Balada triste

Este blog é um diário pessoal, desde o início. Portanto, tudo o que conto aqui é verdade, mesmo que essa verdade não esteja completa em alguns casos. Afinal, não é tudo sobre nós que devemos expôr na internet. O fato é que, tudo que for importante para as histórias contadas aqui, está aqui, com uma pincelada maior nisso, naquilo e uma forma diferente de contar as histórias, com um pouquinho de ficção, para que fique interessante para quem lê. Este relato foi o mais difícil de escrever até hoje, o mais doloroso e o que mais demorou para ficar pronto. Me sinto tão machucado que achei que não conseguiria. Foram 3 tentativas e nenhuma deu muito certo.

Primeira tentativa

A casa amanheceu toda bagunçada. No meu quarto, o edredon estava no chão, e na cama desarrumada, várias peças de roupa amarrotada. Do lado, a pulseira verde do baile da noite anterior rasgada. O all star preto com meias suadas e encardidas também estava lá. Na mesinha da sala, um prato sujo com a pizza do almoço, um pano de prato e o notebook morrendo quase sem bateria. Na cozinha, os tapetes todos tortos pelo chão, e a caixa da pizza aberta em cima da mesa.

Segunda tentativa

São quase meia-noite de quinta-feira, dia 18 de novembro. Lá fora, o céu está estrelado. Eu não perdi a minha mania de criança de não entender porque é que o céu, depois de tanta chuva, ainda consegue mostrar as estrelas. Amanhã volto a trabalhar, depois de 2 dias de molho em casa, doente. Ainda estou me recuperando, tomando remédios que me fazem suar muito. Tem sido horrível. Fui ao ensaio da peça hoje, que, aliás, foi ótimo. A turma estava animada e deu gosto de ver. Amanhã eles apresentarão, num evento sobre a juventude tambauense, que ocorrerá na SAT, um número musical da peça. Ficaram sabendo disso hoje e saíram do ensaio felizes da vida. Depois do ensaio, Che apareceu na SAT, como combinamos. Faziam 4 dias que não o via. Durante esse tempo, o que eu mais quis foi reencontrá-lo, para realmente ver que está tudo bem entre nós. Fomos para o posto, conversando. Ficamos lá um tempo e fomos embora. Che estava animado, feliz, percebi que até queria ficar mais por lá. Eu não, eu queria mesmo era ir embora e pensar naquilo tudo. Tentei agir como se estivesse tudo bem, e eu até achei que estava, mas o nosso reencontro não me animou como eu esperava. Por um momento, eu desejei não estar ali.
Na principal rua do centro da cidade, passei e vi a primeira árvore de Natal desse ano, na vitrine de uma papelaria. Estava ouvindo “Wind of change”, do Scorpions, quando meu celular tocou. Era o Murilo, de Limeira. Ele já havia me ligado antes, mas estava no meio do ensaio e não pude atender. A ligação me espantou bastante. Pensei que nunca mais iríamos nos falar. Sempre é assim que acontece. Conversamos um pouco. Ele falou do emprego novo que apareceu, e que
não sabe se pega ou larga. A conversa resistiu até ele perguntar se estava tudo bem. Ele percebeu pela minha voz que não, nada ia bem. Tentei desconversar, disse que não era nada com ele. Foi quando ele perguntou do baile de sábado. E eu contei a história toda.

Terceira tentativa

O final de semana chegou novamente e dessa vez eu nem senti, nem rezei pra que chegasse logo. Hoje é sexta e meu relógio biológico está todo errado. É meu segundo dia de trabalho na semana. Depois do feriado de segunda-feira, fiquei mais dois dias em casa, de cama, por causa de um infecção na garganta que me pegou de jeito e quase acabou comigo. Estou sentindo um sono descomunal. Acordei atrasado hoje e ontem fui dormir tarde pra burro.
Na noite de ontem, aconteceu na SAT um evento que deu início a uma campanha em prol da juventude tambauense. Várias autoridades da cidade, psicólogos, assistentes sociais, nossos atores e alunos das escolas de Ensino Médio estiveram presentes. Para mostrar um pouco do que a juventude de Tambaú vem fazendo na área artístico-cultural, a banda Quantum's Loko's
foi a primeira a se apresentar. Neto, Wagner, Gabriel e Marco Antonio, que são atores da Quintal das Artes, fazem parte da banda, juntamente com Kadmo e Rodolfo, que são amigos deles. Logo depois, foi a vez da Dança Circular com os
alunos da Escola Padre Donizetti, ensaiados pela professora Ana, de Educação Física. Desse grupo, Carolzinha e Marcos, alunos da Quintal, fazem parte. E para fechar com chave de ouro, os atores da nossa peça "Somos Todos do Jardim da Infância", apresentaram dois musicais do espetáculo, vestidos com figurinos e tudo mais, e saíram de cena muito aplaudidos. Isso só aumenta a expectativa da estreia, que acontece na próxima quinta-feira, dia 25, às 21 hs na SAT.
Para assistirem o evento, Lis e Che apareceram. Depois de tudo, fomos os três para o posto, como há alguns dias não acontecia. Nosso papo foi agradável, com muitas risadas, muitas piadas. Nem tudo se perdeu entre nós nesses tempos difíceis que vivemos, o mais importante, que sempre foi nossa cumplicidade e nossa vontade de estarmos juntos, permanecem, mesmo que hoje nos vejamos de formas diferentes.
Lis e eu acompanhamos Che até o Cruzeiro. Ele queria ir conosco até mais lá embaixo, mas Lis e eu não quisemos. Nos despedimos e seguimos o caminho. Lis e eu ouvíamos "Let it be", no meu celular. Uma cadelinha muito simpática nos acompanhou até perto do hospital. Esperando o pai da Lis aparecer, sentamos na sarjeta, ouvindo a música, com a cadelinha olhando piedosamente pra nós. Lis, rompendo o silêncio verbal, disse:
- Como a noite hoje está nostálgica!...
- É o ano que está acabando... - disse eu, sentindo o mesmo.
Hoje a noite, começa o Motofest. Eu planejei tanto com os meninos, queria tanto ir. Hoje também tenho ensaio. Depois, do ensaio, talvez apareça por lá. Sei lá qual é a minha vontade e o que eu devo fazer... Me sinto tão mal essa semana, desde sábado. Nunca mais fui o mesmo. É como se eu sofresse de um grande mal, calado, silencioso e sombrio, que pesa.

A parte mais difícil

Num sábado animado como há muito tempo não acontecia, levantei tarde pra caramba, atualizei meu blog e saí. Passei na loja, comprei meu ingresso para o baile havaiano e fui pra SAT, para mais um ensaio da peça. Ensaiamos exaustivamente as coreografias e depois, a peça toda. Saímos de lá quase 7 da noite. Che me ligou e ficou tudo certo para irmos ao baile a noite, o último que ele iria antes da cirurgia que terá que fazer. Foi então que ouvi Neto perguntando para os meninos se eles iriam na cachaçaria naquela noite. Acabei descobrindo que a banda Over Rock, que faz um rock’n roll da hora, iria tocar na cachaçaria a noite. Cheguei em casa e liguei para o Che, que topou tentar vender os ingressos do baile na porta do clube, e trocar de balada. Mais a noite, estava na avenida no centro da cidade, quando Che e Cesinha passaram de John Móvel e me deram uma carona. Paramos na praça, onde encontramos Maikinho, Elton e os outros meninos. Eram 10 e meia da noite e nada tinha ficado decidido sobre qual seria a balada da noite. Che e eu queríamos ver o Over Rock. Maikinho queria ir no baile. Cesinha queria ir ver o Over Rock, mas não queria deixar Maikinho sozinho no baile. Parei de falar no assunto e me conformei em ir ao baile havaiano mesmo. O mais importante para mim era estar entre amigos naquela noite que já era, de certa forma, especial.

O baile começou animado. Logo que entramos, fomos ao bar. Não bebemos nosso vinho habitual naquela noite e estávamos todos secos. Comprei a promoção de cerveja, que me rendeu 4 fichas. Dei 2 para o Che, que sabia estar meio sem grana esse mês por causa dos gastos com o John Móvel. Eu não estava muito bem para beber e Che tinha dito que não beberia muito, já que estava dirigindo. Cesinha e Maikinho estavam afim de enfiar mesmo o pé na jaca. Logo Leandro se juntou a nós. O show não havia começado e, por isso, fomos para a pista. O clube estava lotado de gente e fazia um certo frio lá fora.

Estava fazendo um grande esforço para me divertir, porque queria mesmo era estar no Over Rock. A essa altura, o show da banda Opus já tinha começado ao lado da piscina. Cesinha, Maikinho e Leandro tomaram vodka de frutas vermelhas e estavam visivelmente alterados. Quando eles ficam assim, perdem o pudor e aí já viu, ficam correndo atrás de rabo-de-saia, como tontas aleluias batendo a cabeça na lâmpada, andando pela balada de um lado pro outro. Minha cerveja acabou e chamei o Che para irmos ao bar. Comprei 4 fichas de cerveja e estava pensando em dar mais 2 pra ele, mas ele acabou comprando também uma dose de vodka. Na hora, deixei bem claro minha desaprovação. Não é por nada, mas ele era o único que estava dirigindo. Os outros todos não tinham esse compromisso naquela noite. Che entendeu o que estava dizendo e disse que a vodka não estava forte. O fato é que os outros 3 estavam bem bêbados com a mistura vodka e cerveja, e ali, o baile pra mim já tinha terminado. Quis ficar longe, disse pro Che que queria ficar sozinho e fiquei, um bom tempo, perto da academia, bebendo cerveja e fumando, fumando e bebendo cerveja. Depois, o encontrei e avisei que ia embora. Ele quis saber o porquê, Inventei uma desculpa qualquer, disse que não iria me despedir dos meninos para não ter que explicar nada. Che quis me acompanhar até lá fora, mas se ele saísse, não poderia mais entrar, então não deixei que fizesse isso.

No caminho, fui chutando lata. Peguei o colar havaiano de papel que entregaram na porta do baile e amassei bem forte na mão, depois joguei por aí. Na mesma rua do clube, na frente de um outro baile que acontecia mais acima, vi outro personagem desse blog que arrumou muita confusão e está meio sumido. Fiz com que não percebesse que algo havia acontecido e passei numa boa. Acho que não percebeu.

Essas noites causam uma ressaca terrível no dia seguinte, maior do que se tivesse bebido uma garrafa de vodka sozinho. Acordei com a história na cabeça e tentando entender o que tinha acontecido. Tinha vários motivos pra me irritar, pra ficar mal, mas nenhum se comparava com o que viria depois. Meus pais tinham ido para o sítio de alguns amigos. Estava só em casa. Minha mãe deixou uma pizza na geladeira para que eu assasse. Era melhor mesmo ter a casa vazia, assim não teria que explicar nada sobre minha cara horrível. Entrei no msn. Logo Che apareceu. Nos dias em que brigamos, sinto muita vontade de falar com ele depois, me acertar, dizer "ah, vamos deixar disso, você é meu chapa!", mas eu sou orgulhoso, e ele também, apesar de ser quem sempre vem puxar papo. Ele puxou papo naquela tarde, queria saber se estava tudo bem, se eu estava puto com ele, com alguma coisa. Eu disse que não, que estava tudo certo, e que nos falaríamos na terça-feira. Foi o que bastou para que uma longa e triste conversa começasse. Foi a maior e mais triste de todas. Dessa vez, nem eu previa o resultado dela. Não fomos estúpidos, não xingamos. O tom da conversa foi sóbrio, de certa forma, mas lentamente, o papo foi desenterrando um monte de histórias, de problemas que, se não foram resolvidos, estavam mortos e enterrados. Não tão mortos assim. Esses fantasmas voltaram naquela tarde pra assombrar e causaram um estrago terrível. Foram meses tentando lutar contra esses fantasmas, foi uma luta difícil, que envolvia muita gente e muitos detalhes. E agora, tudo estava sob a mesa, exposto, pronto pra levar a primeira mordida de quem quisesse se deliciar. Eu quebrei, rachei. Eu não tinha interesse nenhum de que isso acontecesse, até porque iria contra minha própria verdade sobre tudo. Mas aconteceu e a verdade era outra, mais dolorosa e cruel, e não aguentaria mesmo ficar sufocada mais tempo.

Che e eu nos falamos de novo a noite. Conversamos e ficou tudo bem. Ele não quis sair naquela noite, e eu não saí também. No dia seguinte, de manhã, comecei a me sentir mal. Estava com muita dor no corpo. A tarde, fui para o ensaio da peça na SAT. Foi o dia em que o Paulo levou a vitrola que irá compor o cenário. No ensaio, eu fiquei bem, não estava com dor, nem nada. Quando cheguei em casa, liguei para o Che. A essa altura, já estava com febre de novo. Pensei até em sair, mas daquele jeito não dava. Naquela noite, eu rolei na cama a madrugada inteira. De manhã, meus pais me levaram ao Pronto Socorro. O hemograma indicou que era uma infecção na garganta. Foi uma semana tomando antibiótico e mais 2 remédios por dia. Hoje, eu estou bem. Não tenho mais febre, nem dor no corpo. A garganta arranha um pouco ainda, mas é suportável. Por dentro, eu estou quebrado. Sabe aquela sensação de que você não tem mais controle de nada e entao você se sente anestesiado? Eu cansei, cansei mesmo, de tudo isso. E agora eu não tenho forças pra reagir. Me sinto vencido. Desde aquele domingo, eu nunca mais fui o mesmo. O que pensava ser bonito e cheio de glória em minha vida, virou um quadro negro, impossível de decifrar, e que apagou principalmente quem eu era e quem eu tentava ser. É, ninguém pode fugir da vida não, tentar tapar o sol com a peneira. Mais cedo ou mais tarde, a verdade volta e ainda mais violenta. Antes, eu sabia lidar com tudo, ter controle, o que não estou conseguindo agora. Mas tudo vai ficar bem, na hora certa.

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