Lua Nova - Parte II

Feriado. Dia das Crianças e da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. O saudoso Padre Donizetti era muito devoto da santa, consequentemente, Tambaú também. Eu sou devoto, desde criança. No dia de Nossa Senhora Aparecida, acordei com som dos fogos de artifício dentro do meu quarto. Carreata na porta de casa às 9 da manhã!
Tinha combinado de ir na casa do Che a tarde para gravar uns cd's. Eu liguei pra ele e fui. Fiquei pouco tempo. Acabou que nem gravamos cd nenhum. O dia estava esquisito e meu humor também. Fomos para a praça umas 4 e meia da tarde. Liguei para Lis e ela apareceu. No Bar do Geraldo, tomávamos uma cerveja, onde mais umas 10 pessoas faziam o mesmo. De repente, duas cenas se instalaram. De um lado, na frente da igreja, fiéis se juntavam para a procissão. No auto-falante da igreja, o padre chamava a população e rezava a Ave-Maria. Do outro lado, no Bar do Geraldo, aqueles 10, vestidos basicamente de preto, com all stars sujos e rasgados nos pés, conversando e rindo. No auto-falante do aparelho de som, tocava um rock pesado, que nem dava pra identificar qual banda era. O padre passou duas vezes, de batina e tudo, e nos cumprimentou. Nós, Lis, Che e eu, estávamos no meio dos dois cenários. E começamos a conversar sobre religião, Deus, felicidade. A cerveja bateu e tudo ficou mais caótico. Na minha cabeça, as duas peças encenadas ali na praça, em volta de nós, estavam em slow motion. Na nossa turma, o clima esquentou, e antes que fervesse, cortamos o assunto e fomos embora. Fecham-se as cortinas.
A noite teve ensaio, do "Sexo dos Anjos", anjos que aparentemente estavam em mais uma de suas crises, mas era só impressão. Lislaine nem apareceu. Ficamos Che e eu no posto depois, conversando. Tudo ficou no lugar.
Fui pego de surpresa na quarta-feira. Paulo marcou ensaio da peça "Somos todos do jardim da infância". Estou sem computador em casa e fica complicadíssimo montar as coreografias. Saí da biblioteca mais cedo, decidido de que ia fazer o ensaio ser produtivo. Cheguei em casa, me sentei no sofá com o texto no colo. Na cabeça, a ideia de que "sou capaz e vou conseguir criar". Fiz umas anotações em 4 cenas. Saí animado de casa e mal podia esperar chegar a hora de ver as cenas acontecendo. Na quinta-feira, o ritual foi o mesmo. Cheguei da biblioteca e fui estudar o texto. Foram dois dias de ensaios produtivos. 5 cenas novas montadas, agora faltam 23. Teremos 2 dias de ensaio por semana, e depois de montadas as cenas, virão as coreografias. Os deuses do teatro vão nos ajudar e tudo ficará pronto para a estreia no mês que vem.
Comecei a tomar um remédio essa semana, para controlar a ansiedade e fazer com que eu pare de fumar. Reduzi mais da metade do número de cigarros que estava acostumado a fumar, mas ainda não parei. Estou uma seda desde então, calmíssimo. Isso não impediu que Che e eu tivéssemos outro stress na sexta-feira. Coisa boba, pequena, mas nos irritamos muito. Odeio ser mal interpretado e pagar o preço por isso, sem merecer. Che odeia ser acusado daquilo que não fez e ser comparado a outras pessoas. Antes, de manhã, a biblioteca realizou mais um projeto. Recebeu as crianças de uma creche da cidade, a "Casa da Criança", para apresentar vídeos e livros sobre o meio ambiente, mais especificamente, sobre a biodiversidade. Depois, Fatinha e eu começamos a trabalhar em cima do teatro de fantoches que os alunos da Quintal das Artes apresentarão na Semana do Livro, na biblioteca.
A noite de sexta-feira não prometia nada demais. O remédio me deixou extremamente lento, devagar, e eu cheguei até a sentir a perda de alguns reflexos. Peguei um suco no posto e na hora de entregar o dinheiro. entreguei o suco para o rapaz. Depois, ele perguntou se eu queria que ele abrisse. Eu disse que sim e não entreguei a garrafa pra ele. #tenso. Che estava de John Móvel. Lis apareceu também. Fomos dar uma volta e paramos no Deoclides. O bar estava lotado e não tinha mesa vaga. Lembrei o Che do que ele tinha dito sobre ir para Santa Rosa, uma cidade vizinha, no sábado. Ele disse que topava ir naquela hora. Topamos e lá fomos nós. Ajudei no combustível e pegamos a estrada no John Móvel. Lis ficou, porque precisava resolver uns problemas. Sabíamos que era um pouco arriscado. Fazia tempo que o John Móvel não era testado neste tipo de situação. Na estrada escura, poucos carros cruzavam conosco. Ouvíamos música no meu celular, já que o John Móvel ainda não tem som. Teve Van Halen, Cranberries e Culture Club, a banda do Boy George. Chegamos. Nossa, não ia a Santa Rosa há mais de 10 anos. Assim como o Che, tenho familiares que moram lá, mas já tinha avisado pra ele: nada de contatos familiares naquela noite! Mesmo assim, ele quis passar na frente da casa do seu avô, para mostrar para mim o bosque onde brincava quando era criança, o seu quintal. O avô dele estava na calçada e aí não teve jeito. Conheci o avô, uma tia e uma prima do Che. Estava muito sem graça, mas todos foram muito simpáticos.
Encerrada a visita familiar, continuamos o tour pela cidade a bordo do John Móvel. Chegamos no centro da cidade, na praça da igreja Matriz, onde os pais do Che se casaram. Lá existem muitos bares e lanchonetes em volta. Tinha muita gente, bonita e bem vestida. Descemos do carro e fomos dar uma volta. Rolava um som numa choperia. Andamos um pouco e, quando paramos, avistei alguém num banco da praça, perto de nós, que me chamou a atenção. Era muito interessante e olhei até ser correspondido. E fui. A troca de olhares rolou durante uns 10 minutos, enquanto conversava com Che. O outro lado também era uma dupla. Você fica nessa de olhar até ter certeza do que é que está acontecendo, e quando saca o que é, alguém tem que se mexer. Levantou e saiu. Saí atrás, descemos a rua. Nessa hora, já estávamos sozinhos. Primeiro, rola uma conversa.
Oi! Oi, tudo bem? Tudo bem e você? Tudo bem! Que bom! E aí? E aí, tudo bem?... ah eu já perguntei se estava tudo bem... Quantos anos você tem? 22! E você? 25! Você mora aqui? Não! Eu também não! Sério? Sim.
Éramos duas pessoas de fora, tentando passar um final de semana diferente.
Você namora? Não! E você? Ah, mais ou menos estou enrolado com uma pessoa que também é de fora, mas não está dando certo. Namoro a distância é complicado.
E fala, fala, até que: e agora? Não tem mais nada pra falar. Os olhares se cruzam, dessa vez mais apertados e mais assustados. Há um silêncio, mas rola uma música nos ouvidos uma música particular. Os dois vão chegando perto e o beijo rola, lento, um tiro no escuro. Depois clareia tudo e fica mais quente, e mais seguro. Foram 20 minutos de carinho. O coração aguenta isso tudo? Não tô falando de paixão, mas sim de química, aquela que faz o coração bater mais rápido, o sangue passar apressado pelas veias. Tem aquela vermelhidão no rosto. Você pensa que o mundo é seu, e esquece de tudo. Trocamos telefones. No meio do caminho de volta a civilização, mais um beijo. E tudo ficou na promessa do que poderá ser da noite seguinte, se haverá outro encontro, antes do riacho seguir seu curso normal, e a lua mudar.
Encontrei o Che, que me esperou numa outra rua, abastecemos o John Móvel e pegamos a estrada de volta pra casa. Agora rolou AC/DC, Stones, Beatles e Janis Joplin. Che me deixou em casa. Ele não topou comer lanche. Era 1 e meia da manhã. Entrei em casa, comi uns salgadinhos. 2 e 20 da manhã, antes de desligar a TV, recebi uma mensagem no celular: "Adorei ter conhecido você. Quero muito te ver amanhã. Bjos".

Nenhum comentário: