Visões do futuro

A cidade amanheceu coberta de papel. Quase não se via sarjeta. Do caminho de casa até o meu local de votação, não havia uma rua que não estava assim. Dia de eleição é sempre um dia agitado. As pessoas ficam alvoroçadas. As ruas ficam lotadas de pessoas que você nunca viu, que moram na mesma cidade que você, mas que você nunca viu. Existe algo diferente no ar. Pra mim, sempre foi assim. Talvez seja um sentimento de que é o dia em que você pode dar um grande passo, que pode modificar a sua vida e de todo mundo que conhece. É uma decisão que não permite erros, equívocos, indecisões. Você faz a sua parte achando que tem razão, e torce pra que ela prevaleça perante os milhões que, assim como você, esperam o mesmo. Esse foi meu voto mais consciente. Fiz um esforço pra me inteirar das propostas, dos acontecimentos, do histórico dos candidatos, pra fazer o melhor possível na hora da eleição. Os resultados me surpreenderam bastante. Eu amo meu país, sinto orgulho do Brasil, adoro o povo brasileiro, e não trocaria minha nação por nenhuma outra, mas, dessa vez, não foi possível não me decepcionar. Parte dessa mesma nação que tanto adoro, elegeu um palhaço analfabeto (que durante sua campanha, só fez zombar da cara do eleitor) como deputado federal, mesmo sabendo que ele traria de volta várias laranjas podres que já pintaram e bordaram com o dinheiro público e saíram ilesos da situação. Outra parte da nação colocou no poder uma dessas laranjas podres, sem quem ela precisasse da esmagadora soma de votos do palhaço companheiro de partido. Longe daqui, no Distrito Federal, outra parte da nação mandou para o segundo turno uma candidata a governadora completamente despreparada, inclusive psicologicamente, que entrou de gaiato no navio, assumindo o lugar do esposo que se retirou por ter a ficha mais suja que pau de galinheiro. E não parou por aí! Teve jogador de futebol endividado, cantor de pagode que bate em mulher, cara metido a operário e sindicalista que participou de esquema de desvio de dinheiro, político com a ficha mais suja do país que só está esperando um sinal verde pra comemorar a vitória, uma infinidade de personagens que, se não entraram, se deram muito bem nas urnas. O voto obrigatório perdeu o sentido por aqui. Pouca gente sabe a importância que o direito de decidirmos os governantes do nosso país, tem na nossa vida. É uma individualidade sem tamanho, não há mais pensamento no coletivo. Não acredito em voto de protesto, não dessa forma. Protestar é mudar os hábitos, é ler jornal, acessar sites na internet atrás de notícias, de informação, assistir o horário eleitoral com visão crítica, é não permitir ser feito de palhaço, é não dar atestado de burrice, é escolher certo e votar certo, fazer bom uso do direito que temos, direito que muitos lutaram pra conseguir, pra que hoje tivéssemos voz. Houve uma época em que não se podia falar de política, não se podia ter opinião, exigir nada, cobrar nada. Muitos deram o sangue pra que isso mudasse. Muitos morreram por esse ideal. Muitos que, amavam nossa pátria mais que nós todos hoje em dia, tiveram que deixá-la, porque não cabiam no sistema. Hoje, somos livres, temos voz, podemos exercer nosso direito de cidadão, e o que temos feito com isso tudo?
A votação foi tranquila. Encontrei Lis e Che na saída, duas pessoas com quem conversei muito sobre política nos últimos dias. Fomos dar uma volta, até pararmos no posto. Lis não ficou muito tempo, logo saiu, por um motivo muito nobre, um motivo que apareceu no sábado a noite, assim do nada, e está movimentando a vida dela nos últimos dias. Che e eu continuamos no posto, na companhia de algumas cervejas. Já tinha desistido de que alguma coisa proveitosa acontecesse nesse final de semana. Sexta-feira teve uma noite complicada. Recuperados, sãos e salvos do temporal que nos pegou de surpresa durante a tarde, nos encontramos no posto. A chuva ainda ameaçava cair. Demos umas voltas e paramos no Geraldo. Já falei desse bar por aqui. Gosto de ficar por lá. Tá sempre tocando rock e podemos ficar ao ar livre, na praça, tomando cerveja. E o pessoal que frequenta lá é muito sossegado, todo mundo fica na paz, numa boa. Éder apareceu e se juntou aos três mosqueteiros. Papo vai, bebida vem, e alguns comentários desnecessários e visivelmente mentirosos começaram a tornar a noite um pouco desagradável. Che, Lis e eu somos da paz. Nós temos nossos rolos, nossas discussões e quebra-paus, mas somos muito sinceros. O que temos que dizer, dizemos e pronto! Não ficamos com leva-e-traz, e não deixamos nenhum assunto mal resolvido entre nós, e confiamos uns nos outros. Mas nem todo mundo é assim. Algumas atitudes vão se somando e moldando o caráter das pessoas, aos nossos olhos. Não engulo essas tais atitudes há muito tempo. Já fui vítima delas algumas vezes, e só não abri mão dessa amizade por causa dos meus outros amigos, que não tinham nada a ver com a história, e que ficariam divididos. Há tempos venho percebendo essas más intenções, e agora o copo está enchendo. O fato é que minha amizade com Éder anda complicada. Não aceito seu comportamento infantil, sua íncrivel capacidade de criar mal -estar, e sua leve intenção de sempre jogar uns contra os outros. Nessa noite, ele mesmo trouxe a tona de novo uma história que acabou de ser abafada, um atrito que ele teve com Leandro, e trouxe de uma forma que, pra mim, não foi nada convincente, e pior, envolvendo meu nome, eu que não tinha nada a ver com a história. Anteriormente, ele teve a oportunidade de se explicar, e não fez. E isso pra mim foi como assinar atestado de culpa. O fato é que ele e eu nos estranhamos, como dois cavalheiros, só na base da palavra. Nessas horas, não tenho papas na língua. Se não deixar claro o que penso, não sou eu. Enfim, Leandro apareceu depois e contou uma outra parte da história. Bom, o clima estranho da noite já estava estabelecido, apesar de todos estarmos nos tratando super bem. A essa altura do campeonato, tínhamos consumido 4 litros de cerveja. Todos passaram ilesos por isso, eu não! Não sei o que houve, mas passei mal. Lislaine já tinha ido embora, e os meninos foram me acompanhar até em casa. A cerveja não caiu nada bem. Estava com sono, muito cansado, indisposto, bebi e aí, sei lá. Ou era então o fato de ter de me segurado tanto pra não dizer algumas verdades cruéis pra quem merecia.
Novinho em folha de novo, a noite de sábado chegou, depois de uma tarde imprestável que se resumiu em cama-sofá-cama-cozinha-sofá-cama. O destino foi o Mancha. Rock n' roll de sempre, vinho básico, papo descontraído com Maikinho e Joãozinho, que estavam conosco! Passou pela nossa cabeça uma ida até Palmeiras. A Lis estava animadíssima, mas Che e eu nos recusamos, talvez por comodismo, pela cidade também ser pequena e ter tantos atrativos quanto aqui. Bom, mas Deus escreve certo por linhas tortas. O lugar da Lis no sábado a noite era pra ser Tambaú mesmo. Éder apareceu e o clima para o lado dele não estava bom. Eu posso falar só de mim mesmo, mas as atitudes dele não vem incomodando só a mim na nossa turma. Logo ele foi embora, de novo, mais uma vez sem tentar se explicar, sem esclarecer as coisas e sem deixar tudo bem.
Diante desse final de semana sem muita imaginação, a conversa entre Che e eu na praça, no domingo a tarde, depois das cervejas no posto, só podia ser uma versão bem humorada de como mudarmos nossa rotina no final de semana. Sempre disse pro Che que ele é um grande acomodado, que ele prefere o fácil, o terreno conhecido, que não se arrisca. Lislaine e eu estamos sempre atrás, e os três se condenam ao ostracismo. Che está consertando seu carro, eu penso em tirar carta no final do ano e arranjar um carro também. Nos apoiamos na ideia de que, quando não tivermos mais que andar a pé, não haverá essa rotina, que nossa vida se abrirá para novas possibilidades, de baladas, de pessoas, de oportunidades. Vamos aguardar. Espero ainda ter muita história pra contar.
Enquanto bebíamos mais uma ou duas cervejas e elas iam subindo, o papo começou a ganhar outros tons. Por causa das últimas discussões que tivemos, ficar sozinho com o Che não tem sido tão fácil. Nada demais, simplesmente porque me sinto às vezes a pessoa mais entediante do mundo, a que sempre está falando de coisas chatas, monótonas, desnecessárias e inconvenientes. Sei lá, sinto uma certa obrigação de ser legal, depois de ter me comportado de maneira grosseira há alguns dias. Nós conversamos assuntos que só nós suportamos, assuntos que só converso com ele. São viagens, pensamentos que a pequena embriaguez proporciona, e a gente embarca, um na viagem do outro. Essa tarde foi legal. Não sei porque, mas o assunto principal foi o futuro, talvez por causa das eleições. A essa hora, já aguardávamos ansiosos algum resultado. Que surpresas o futuro reservava para o nosso país? E pra nós, dois amigos beberrões em um domingo a tarde? Ah, o Che vai se casar, ter filhos, netos. Vai ser dedicado com a sua esposa, que mesmo que não seja a mulher dos seus sonhos, ele vai amar muito. Vai ter um emprego que vai suprir as necessidades da sua família, até se aposentar e virar um velho insuportável. Vejo Che morando aqui em Tambaú pra sempre, não sei se ele teria coragem de um dia ir embora. Não sei porque, mas eu tenho a impressão de que ele um dia vai esquecer de tudo que vivemos. A Lis não fica aqui, vai fazer faculdade e, quando se formar, não bota mais os pés na cidade nunca mais. Vai virar professora de dança e essa será sua profissão. Vai me mandar cartões de Natal e me chamar pra batizar seu primeiro filho, com seu marido malucão. Ela não esquecerá nossa história. O meu futuro é o único que não consigo imaginar, desenvolver uma tese. Olhar de fora é muito mais fácil. Che diz que não vou morrer aqui, que vou embora, trabalhar em outro lugar, que não vou acabar sozinho, que terei uma companhia, e que o Teatro será sempre a minha profissão, de um jeito ou de outro. Eu só tenho certeza que nunca esquecerei tudo que vivemos, mesmo quando tudo mudar, e cada gota d'água tiver que seguir seu caminho nesse riacho. Enquanto isso não acontece, temos que fazer a diferença, positivamente se possível, um na vida do outro. Não estamos aqui juntos vivendo tudo isso por acaso.
No domingo, depois de mais uma dessas noites em que não fazemos nada juntos, desci sozinho por outro caminho. Quis pegar algo pra comer na lanchonete perto do Santuário, e como ninguém estava afim, fui lá, tendo como companhia somente meu mp3. A solidão me caiu bem nessa hora, como uma luva. Nós vamos vivendo, os dias vão passando, e às vezes eu me esqueço, deixo de lado, substituo. Foi bom lembrar de tudo, de quem sou, do que gosto, dos meus sonhos, das minhas frustrações, paixões, do que me deixa imensamente feliz, dos lugares que gosto de frequentar, das baladas que gosto de ir, das pessoas que quero perto de mim, da comida preferida, do beijo mais incrível, isso tudo sem questionamentos, sem explicações. Só minha vida e eu, meu passado e meu presente. Foi bom me encontrar.

3 comentários:

Fênix Manca disse...

Sabe, Zé, eu acho bem interessante a forma como vc dá nome aos bois de boa nos seus textos. Tipo, quando eu escrevo, ñ ponho nome de ninguém, posso falar todos os sentimentos, mas ñ digo como vc "o fulano"... É legal pq vc exterioriza, mas os citados ñ ficam putos? Ñ os protagonistas costumeiros, como o Che e a Lis, mas os q permeiam suas reflexões? Falar zóio no zóio é uma coisa, mas deixar por escrito pode piorar o mal estar... sei lá, ñ sei se vc me entende, mas acho que a sinceridade nacarística é ótima, mas vc poderia se poupar de mais encheção de saco se expusesse as idéias ainda mais contundentemente e sem citar os nomes... tipo, exponha mais o que realmente te contraria e ñ diga os nomes... Só disse isso pq pra mim funciona melhor, cagar mais no povo e ñ dizer a quem - carapuças que sirvam, eu só digo "sim, foi pra vc" se for no zóio...

Acho que assim vc se preserva mais... é obóvio q a sinceridade é fundamental, mas um jeito diferente de praticá-la pode dar certo. Lembra qdo vc diz aí em cima da "forma grosseira"? É como se falasse o mais pesado aqui, sem nomes, e depois de escrito vc assimilasse de forma diferente, pra qdo falasse já tivesse um jeito menos horse e mais eficaz...

Acho que ficou meio confuso, mas qq coisa cê me escreve. Bjão, doido, favor ñ ter juízo!

Paulo Rogério Rocco disse...

O futuro é uma astronave que nós, que somos todos do Jardim da Infância, tentamos pilotar... E fique tranquilo, pois você é um ótimo piloto.

Unknown disse...

Zé. O futuro é só uma promessa que quando cumprida se torna presente, de novo e de novo. O importante é sempre seguir adiante!!