O temporal

07:00 hs - Minha mãe entra no quarto e diz "está na hora"... Cinco segundos pra eu assimilar o que é que está na hora e pimba! Estou de pé. Na época do colegial, minha mãe era mais elétrica. Abria a janela, lançava o sol na minha cara e dizia animadíssima "vamos acordar... você está atrasado". Foi o que fez durante um bom tempo eu acordar com o rádio programado na fm. Um despertar sofrido que tenho lembrança é de uma vez, quando estava na 4ª ou 5ª série, e fui acordado, num dia de prova de Geografia, com o som do rádio na cozinha, que estava tocando uma música do Leonardo, algo mais ou menos assim: "horizonte azul, vermelho, luzes a brilhar..." #tenso. Hoje em dia, ela entra, diz que "está na hora" e sai. Depois de um tempo, volta na ponta do pé, em silêncio, pra ver se eu realmente levantei. Pensa que eu não vejo. Às vezes, eu já estou de pé. Outras vezes, eu saio da cama pra valer quando a vejo pela segunda vez.

07:05 hs - Corre pro banheiro, escova os dentes. O cabelo, deixa pra depois. Aí é a hora mais chata, escolher a roupa. Tem dia que não gosto de jeans, tem dia que não gosto de tactel, tem dia que não gosto de xadrez. A camiseta é a parte mais difícil. Nunca nenhuma me agrada. Essa já tá velha, essa me engorda, essa já não serve mais mesmo, essa não combina com a calça. Tem dia que o jeito é optar por uma sobreposição: camiseta e camisa. Me visto e corro pra pegar o All Star, que também tem que combinar, senão fica um desastre. Pronto! É hora de colocar as chatas lentes de contato. Ah, tem manhã que meus olhos parecem ter um caminhão de terra, e ardem. Fiz o antipático um dia desses e tomei café-da-manhã de óculos escuros. Ah e agora arruma o cabelo! Passa pomada e arrepia.

07:20 hs - O café-da-manhã é sempre o mesmo, pão com manteiga e leite. Não sinto fome logo que acordo. Só como mesmo pra larica não atacar feio depois. Chega a hora do primeiro cigarro. Toda noite antes de dormir penso em largar essa porcaria, aí digo pra mim mesmo que não vou fumar no dia seguinte. Mas depois do café-da-manhã, esqueço a promessa. Fumo pra me aguentar! Tem dia que é difícil mesmo, só na base da nicotina. Sou ansioso demais. È um cigarro pro café-da-manhã, outro pra quando chego na frente da biblioteca, outro pra quando entro, enfim, tudo é motivo pra acender um cigarro.

07:40 hs - Meu pai me dá carona todos os dias, até perto do trabalho. Aí tem mais uma caminhada de uns 5 minutos e chego na biblioteca. Nesse percurso, estou sempre com o mp3 do meu celular ligado. Tem dia que acordo mais mpb, outro dia mais rock, no outro rock nacional, e em outros, melancolicamente pop dos anos 90. Marcinha, que é funcionária, está sempre adiantada e chega primeiro que eu. Adoro encher o saco. Fico atrás dela quase o dia todo, imitando o papagaio do Chapolin Colorado e perguntando se ela quer casar comigo. Antes, eu a assustava, mas isso a deixava muito brava. Quando vou na cozinha, ela começa a conversar comigo e não pára mais. Fala, fala, pelos cotovelos. Quando eu volto para o trabalho, do meio da biblioteca, ainda ouço ela falando, sozinha.

07:50 hs - Josi chega.. É ela que abre a biblioteca todos os dias. Fatinha logo aparece. Ela é sempre a mais animada. Nunca vi a Fatinha de mal humor, pra baixo. Che chega depois. Tem dia que dá medo de olhar pra ele, chega com uma cara péssima, com olho inchado de sono. Passa uma meia hora e ele volta ao normal, aí ele fala, conversa, dá risada. Ah, essa semana a gente não está se estranhando. Só na segunda-feira que rolou um mal-estar por causa de uma ou outra atitude idiota de ambos, mas que resolvemos no mesmo dia. Sim, saímos só nós dois na segunda a noite, a pedido meu. Queria acertar as coisas, saber o que estava acontecendo. Nos últimos dias, qualquer palavra era interpretada como agressão, como ofensa, e acabávamos num climão danado. Mas tudo está certo agora. Lis trabalhou a semana toda de manhã. Normalmente, ela só aparece a tarde. Ela não teve aula, por causa dos Jogos da Primavera, então ficou com a gente. Nossas conversas pela manhã tem sido sobre política, influenciados logicamente pelas manchetes da Folha de São Paulo. Um ou outro lê algo relevante no jornal, e nós comentamos, discutimos. Ontem a noite, depois do teatro e de ter ido embora mais cedo por causa da maldita lente do olho esquerdo estar me incomodando demais, acompanhei os últimos 3 blocos do debate dos candidatos a presidência da república. A Dilma, como citei há algum tempo aqui mesmo no blog, é pra mim um boneco de ventríloquo, e com a fisionomia de uma máscara do carnaval de Veneza, como disse Aguinaldo SIlva no twitter essa semana. A candidata, além de demonstrar um despreparo visível e uma grande falta de jogo de cintura diante das alfinetadas do velho Plínio, não apresentou nenhuma proposta inovadora, mas sim, primou pelos elogios aos 8 anos de governo Lula e, afirmou e reafirmou que dará continuidade a todos os projetos do PT, mais bolsa-família, mais "minha casa, minha vida". Tudo mais do mesmo! O que me chamou a atenção foi ela ter dito que sua meta é transformar o Brasil num país desenvolvido. Como isso pode acontecer se o Brasil possui um grande caos na saúde (exatamente nas regiões onde ela tem mais eleitores, vai entender!), falhas na educação, a segurança nem se fala? A meta é pagar loucamente a dívida externa para se livrar desse calo e tornar o país mais independente, enquanto deixa em banho-maria as situações problemáticas com o assistencialismo maquiado de política social? Assistencialismo, que fique claro, que garante muito voto e a permanência do PT no poder por mais 4 anos. Se uma parede apresenta um buraco, uma rachadura, não adianta tapá-lo com uma massa fajuta, só pra visita não ver, porque, uma hora ou outra, o buraco vai se abrir de novo. Bom, de mensalão e escândalos, nem se tocou no assunto. O candidato Serra usou de um discurso parecido. 20 entre 10 respostas do candidato começavam com "quando eu fui governador...". Onde estão as novas propostas? E já que era pra se falar da época em que era governador, por que Serra não falou dos ataques da facção criminosa a São Paulo, do seu súbito desaparecimento enquanto o Estado inteiro esperava uma posição, e o que ele fez foi jogar a polícia militar contra a civil, piorando muito a situação? E dos problemas da educação, das greves dos professores e alunos nas faculdades, e de como era difícil e intempestivo entrar em um acordo? Serra também me decepcionou em sua campanha. Ver que as pesquisas o deixavam distante da primeira candidata, não era motivo pra desespero. Não havia necessidade do descontrole com a imprensa e nem das declarações de fracasso que deu nos jornais e na televisão. Há 3 semanas da eleição, o candidato dizer que sua campanha precisava de um RESTART (sem trocadilhos, ok?) é, no mínimo, uma grande demonstração de despreparo. Poxa, será que nem o seu marketeiro, ele soube escolher direito? De qualquer forma, o PSDB governou bem São Paulo nesses últimos anos. O Estado cresceu, se desenvolveu, e pode ser que dê certo no governo presidencial. Mas Serra é meu candidato se houver um segundo turno. No primeiro turno, meu voto é da candidata Marina Silva. Gosto de suas propostas, sua sensatez e seriedade, sua história, e acredito na competência dos candidatos do Partido Verde, um partido relativamente novo que vem construindo uma história e que poderá chegar longe, numa próxima vez. Marina tem experiência, garra, lutou muito pra chegar onde chegou. Admiro-a muito por ter saído fora do PT quando estourou a bomba do mensalão. Nesses casos, ou você se junta com a turma de ladrões, ou cai fora, não há espectadores. E Marina saiu, foi para um partido que defende os mesmos interesses que ela, e fez uma campanha honesta e digna. O Plínio é um fanfarrão, uma figura, muito inteligente, idealista. Mas esse idealismo pode ser bom até certo ponto. Mudar o Brasil para o que ele pretende não se faz em 4 anos, nem em 8 anos. Muitos interesses estariam em jogo, são cartas que estão na mesa do mesmo jeito há muitos anos, e o Piiisol encontraria muitas dificuldades para promover essas mudanças sociais. Queria muito ver como um partido pobre de esquerda se sairia no governo do Brasil, mas essa não é uma época para se apostar em incertezas desse porte.

09:30 hs - As manhãs na biblioteca costumam ser agradáveis. Logo que chego, fecho os livros, de empréstimo e de frequência. Temos que ter o controle diário disso: quantos livros saíram para empréstimo, quantas pesquisas foram realizadas e a frequência de sócios. Marcinha faz sempre chá e café com bolachas e sempre dou um escapadinha até a cozinha. Sempre atualizo o blog da biblioteca nesse horário. Gosto muito de fazer isso. Acho ótima essa interação que podemos fazer com os sócios através da internet, dando dicas de livros, de autores, relembrando grandes obras e postando notícias sobre o mundo literário. Aliás, quem quiser acessar e nos seguir, o endereço é http://bibliotambau.blogspot.com . O movimento na biblioteca de manhã varia bastante. Tem dia que a gente mal chegou e já tem gente na porta querendo entrar. Tem dia que não aparece quase ninguém, quando chove por exemplo.A hora passa rápida de qualquer forma.

11:15 hs - Almoço na biblioteca todos os dias, no mesmo horário da Marcinha e da Josi. Era cansativo demais ir a pé pra casa todo dia e voltar no período de uma hora. É divertido! Minha mãe sempre manda suco. Refrigerante durante a semana, nem pensar. Josi, Marcinha e eu batemos altos papos, rimos muito. Depois, cada um lava a sua louça e eu fico na internet até dar meu horário. Passo praticamente o dia todo na internet. Fico no twitter, no e-mail e no blog da biblioteca. Gosto de saber o que está acontecendo, ver os trending topics, as mensagens, afinal, trabalhamos com cultura e informação. Adoro trabalhar na biblioteca. Gosto de ficar no atendimento, de indicar livros, de procurá-los para as pessoas. Só não gosto muito de pesquisa. Me embanano todo e quase sempre acabo pedindo uma ajuda pro Che, que é fera nisso. Gosto também de fazer carteirinhas dos novos sócios. O que mata é a arcaica máquina de escrever, enquanto o arquivo e as fichas não são informatizadas. Na verdade, nunca imaginei uma biblioteca sem o som de máquina de escrever. A biblioteca vem ganhando cada vez mais sócios. Cada mês, temos tido um faixa de 30 sócios novos, um por dia. Isso faz nosso trabalho ser mais gratificante, principalmente quando percebemos que a grande maioria são crianças e adolescentes.

14 hs - Nessa hora, todo mundo já voltou do almoço. A tarde costuma ser mais corrida. O movimento na biblioteca aumenta e o cansaço também. Essa semana foi extremamente cansativa pra mim. Na terça-feira, tivemos ensaio da "Casa de Brinquedos". Ensaiei com os atores uma nova coreografia, da música do "Trenzinho". Não fiquei muito satisfeito com o resultado. Às vezes, imagino a coreografia mas quando vamos executá-la não sai exatamente da forma que eu pensei, aí é hora de fazer uns ajustes até chegar exatamente onde queremos. Na quarta-feira, não aguentava de dor nas pernas. O ensaio tinha sido difícil, corremos uma maratona atrás desse trem hehe. Mas a noite foi de descanso. Fiquei no msn com a Lis e o com o Che, a quem ajudei a dar um jeito em alguns problemas no computador. Ontem a noite foi dia de ensaio de novo, com o pessoal do espetáculo "Somos todos do jardim da infância". Paulo não estava bem, e foi embora. Comandei o ensaio sozinho. Os atores apresentaram cenas de Nelson Rodrigues, num laboratório onde estamos estudando os conflitos. Depois, foi hora de nova coreografia, a primeira do espetáculo. Será "We go together", da trilha do filme "Grease - nos tempos da brilhantina". Baixou o John Travolta em mim e fomos ao trabalho. A coreografia ficou muito legal e os atores gostaram bastante também. Passamos a coreografia umas vinte vezes, e depois, no fim do ensaio, fomos para o texto. Saí de lá quase 10 da noite. Depois de passar pela casa do Paulo para entregar umas coisas, Che, Lis e eu fomos para o posto. Quando cheguei em casa, depois de ver o debate, meu caso foi "perda total", na cama.

16:40 hs - A tarde estava tranquila hoje. Paulo apareceu e depois de mais um papo sobre política, Che, Lis e eu ficamos na internet, investigando as fichas sujas dos candidatos a eleição desse ano. Percebi que o ambiente estava escuro. De repente, se ouviu um trovão. Fatinha foi até a porta e disse que vinha chuva forte por aí. Fui até lá ver e realmente, o tempo estava ficando feio. Em questão de minutos, a situação piorou. O vento que entrava pela biblioteca era cortante. As luzes da cidade se acenderam. Na rua, se via uma enorme cortina de poeira, correndo entre os carros apressados e as pessoas, que tentavam proteger os olhos. Nuvens negras apareciam, de um lado para o outro. A porta da biblioteca bateu. O dia estava virando noite. Minha mãe ligou no meu celular e eu pedi que meu pai, que estava no trabalho, fosse me buscar.

16:50 hs - Josi veio correndo do fundo da biblioteca assustada. Desligamos os computadores. Era hora de irmos embora, antes que o temporal nos isolasse na biblioteca. Che pediu pra ir antes da chuva, se despediu e sumiu de moto no meio da poeira. Josi e Marcinha fecharam as portas. Recolhi minhas coisas. Marcinha foi embora a pé, depois de eu pedir que tomasse cuidado. Os relâmpagos começaram e o céu estava cada vez mais escuro. Saímos apressados, depois de fecharmos tudo. Lis correu para a sua casa. Ela mora perto da biblioteca. O vento assustava. Agora, os motoristas dos carros estavam mais alvoroçados. Josi ficou nervosa. Ela não gosta de dias como esses, a assusta mortalmente. Entramos no carro da Fatinha para esperar meu pai chegar. Dizem que o lugar mais seguro em dias como esses é dentro do carro. O vento parecia que ia nos engolir. Alguns pingos grandes caíram no vidro. A chuva começou. Esperamos cerca de 10 minutos e nada do meu pai aparecer.

17 hs - Diante da demora, liguei para minha mãe, que me disse que meu pai não poderia ir me buscar pois o movimento no trabalho estava intenso. Meu pai trabalha numa farmácia da cidade, há anos,. Ele ganhou o respeito e a confiança da cidade por seu trabalho e tem uma freguesia grande. Bom, Fatinha ligou o carro e saiu para me levar para casa. Muita chuva no meio do caminho. A avenida José Gatto, que corta a cidade e fica perto da minha casa, parecia um grande lago. Carros na mesma situação que a nossa passavam por nós. Chegamos em casa e a enxurrada cobria a calçada. Há tempos não via um temporal desse aqui em Tambaú. Me despedi delas e entrei em casa. Minha mãe me esperava no portão. Ela me disse que meu pai tinha saído pra me buscar, assim que ela ligou para dizer que não precisava mais. A chuva continuava intensa. 10, 15 minutos e nada do meu pai aparecer. Começamos a nos preocupar. Aos poucos, o céu foi perdendo a sua escuridão. E a chuva começou a diminuir. Meu pai apareceu, são e salvo. Temporais geralmente são assim, nos pegam de surpresa na hora mais imprópria e causam transtorno para nós. Depois, ele passa e é hora de conferir os estragos que ele causou, as árvores que ele derrubou, as ruas que inundou. Mas, na maioria das vezes, ele só vem pra molhar a terra, lavar os telhados, encher os rios, e refrescar o tempo. É chuva passageira, com muito barulho e luz.

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