O dia em que a Terra parou

Sexta-feira 13. Passei o dia todo planejando algo especial. Queria escrever um conto de terror, com a história de um serial killer à solta na cidade, numa noite em que uma turma de amigos se reúne para ver clássicos de suspense do cinema americano. As personagens seriam as mesmas desse blog: a Lis, o Che, eu. O Éder talvez poderia aparecer. O Leandro ficaria com aquela parte que nunca falta num bom suspense, a hora engraçada da história, com uma morte improvável, ou então uma tentativa de fuga absurda. A Lis seria a primeira vítima. Os serial killers sempre preferem as mulheres. Ela atenderia o telefone e uma voz ameaçadora e cafona diria frases típicas: "eu estou mais perto que você imagina", "você quer jogar?", "primeiro diz o seu (nome), depois eu digo o meu"... Logo depois, toda tentativa de fuga seria frustrada, e ela acabaria, num último equívoco, facilitando o trabalho do assassino. O Éder cairia no velho truque da cerveja que acabou, seguido de "eu já volto". Nunca diga "eu já volto" numa situação de suspense. Você não vai voltar. Na cena final, sobrariam o Che e eu. Três hipóteses: um de nós seria o assassino; os dois morreriam, deixando a história sem nenhum sobrevivente; ou "foi tudo apenas um grande pesadelo". O fato é que ensaiei, ensaiei e nada saiu do pensamento.
Saí de casa para ter uma noite tranquila, como quase sempre acontece aqui. Havia dito na biblioteca hoje que as sextas-feiras 13 pra mim sempre foram marcantes, que sempre algo muito inesperado acontecia e que mudava tudo. Mas essa ia ser diferente, nada poderia acontecer.
Numa mesa de bar entre amigos, papo vai, papo vem, cerveja, cigarro, um ou outro momento de silêncio. Tudo corria dentro do esperado. Tínhamos recebido um convite pra sentar em outra mesa, com mais pessoas, mas eu não aceitei. De repente, um novo assunto: "Metamorfose Ambulante", de Raul Seixas, numa versão de Zélia Duncan. Artistas que regravam grandes obras de grandes cantores. Artistas medíocres que regravam grandes obras de grandes cantores. E por aí vai... Penso que é sempre válido manter a obra de um artista viva através de regravações, pois um público de uma nova época poderá conhecer e desfrutar dessa obra. Melhor ainda, esse novo público poderá se aprofundar na música, na poesia do artista, em tudo que ele produziu, se houver o interesse. Penso também que "Metamorfose Ambulante" pode ter variadas interpretações. Raul Seixas e Zélia Duncan, cada um teve a sua maneira de interpretar, de sentir, de transmitir a mensagem, da mesma música, mas isso não os faz melhor ou pior. O fato é que a discussão aconteceu. Todos dizendo o mesmo, todos com a mesma opinião, mas com ouvidos diferentes, exemplos equivocados e tons de voz alterados. Eu não sou uma pessoa muito fácil de lidar às vezes. Tenho problemas ao ser contrariado, subestimado, e isso sempre toma proporções gigantescas.
Paga-se a conta e o clima parece estar cada vez carregado. Já em outro local, acontece uma tentativa de se amenizar a situação. que acaba ficando muito pior.
Discutimos e brigamos várias vezes nesses quase 2 anos de amizade, mas tudo foi resolvido logo em seguida, com uma conversa amena, cordial e sempre com alguém dando o braço a torcer. A gente se entende, fala a mesma língua quando quer, e acaba botando tudo no lugar. Dessa vez, foi diferente. No meio de uma forte discussão em que a voz e os gestos aumentavam gradualmente, eu ouvi 2 frases, rápidas, curtas, que me calaram. O silêncio tomou conta de mim. Os ouvidos ensurdeceram. A Terra não girou mais. Dessa vez, não passou um filme na minha cabeça, como sempre acontece quando fico chocado. Foi diferente. Dessa vez, foi bomba atômica, silenciosa e devastadora. Foi cogumelo no vento, perda de equilíbrio, foi engolir seco, foi lâmina afiada rasgando o pescoço. Não tive reação e foram 10 segundos terríveis, intermináveis. Em certos casos, algumas palavras podem fazer muito mais efeito que um soco no olho, no estômago. Não tinha mais nada para fazer ali. Já tinha ouvido tudo. Uma saída intempestiva, um apoio moral, alguns quarteirões depois, e lá estávamos nós novamente, tentando consertar as coisas. Consertamos. Apesar disso, o medo da perda, da vitória do cansaço, do efeito da pílula que dessa vez foi dada em dose cavalar, tudo isso ainda era evidente. Teremos alta só amanhã, quando acordarmos. A noite, quando nos vermos, será o mesmo que voltar pra casa.
Eu aprendi... Na verdade, algumas situações me ensinaram que devemos sempre respeitar o limite, nosso e dos outros. Nem tudo pode ser dito, nem tudo pode estar pronto pra sair de nossa boca, nem em casos extremos, de forte stress. Não respeitei esse limite algumas vezes, e nada teve volta, nada foi esquecido e nada recuperado. Isso é tudo aquilo que mais me arrependo nessa vida...
Tudo continuará a ser como antes. Nada mudou. Essa noite não é maior do que tudo que já se viveu, de tudo que está guardado. Amanhã é outro dia e tudo que aconteceu hoje, perderá bastante da importância. Nunca será esquecido, apenas virará lição.
Outra lição é que não se precisa de assassinos, fantasmas, facas, ganchos e máscaras para tornar uma sexta-feira 13 assustadora e sangrenta.

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